segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

carnaval em Angra 4.4 - última parte

Depois de passada a roleta, ficamos uma meia hora reconhecendo o lugar, enquanto esperávamos a chegada de nossos objetos de desejo. O hall de entrada, os imensos decks ao ar livre, com vista para o escuro e fétido mar que margeava a cidade de Angra (mas que assim, à distância, era uma imensidão aprazível, cujo único cheiro bafejado pelo vento era o de uma tênue maresia).



Onde ficavam os banheiros – tanto os masculinos quanto os femininos, estes, embora vedada nossa entrada, eram os mais importantes - os lugares mais barulhentos e mais sossegados, isto dentro do salão, porque se buscássemos algum resquício de paz, só lá embaixo, com os pés na areia. Enfim, esquadrilhamos o Aquibadã.



É lógico que fuçamos os dois bares do lugar e até tomamos umas cervejas. Eu fiquei numa latinha só. Ainda me revirava o estômago o porre que tomara no carnaval retrasado. A título de “aquecermos as turbinas” e cometermos haraquiri em nossa timidez, nos reunimos na casa do Pedro Moustache e tomamos todas antes do primeiro baile de carnaval no Clube dos Funcionários, em Volta. Apaguei e fui levado semiconsciente pra casa, antes do grito de abertura do carnaval. Desde este trágico evento, carnaval e porre nunca mais foram conjugados (executados) por mim numa mesma sentença.



Enfim, eram 11h e meia, mais ou menos, quando as gatas de Barra Mansa pintaram no Iate Clube. Eram 13 meninas – algumas realmente lindas. Nós as avistamos do segundo andar – a entrada e o salão onde rolava o baile ficavam no térreo. Estávamos apreciando e contando a bela legião, quando Aurélio, escandaloso que só, começa a berrar, ou melhor, a falar mais alto, frases desencontradas:

-- Caralho! A Suicídio taí!! É aquela de flor amarela presa nos cabelos. Já te falei dela, Eros. Viu, Gugu? É ela!!!!



Explica-se: a menina a quem Aurélio referia-se, pela alcunha de Suicídio – “por ela, o cara até se mata”, exagerava o capetinha de Volta Redonda – era a mais recente “descoberta” dele, que a achava lindíssima. Menos, Aurélio, menos. A menina, cujo nome não me lembro, era bonita, verdade. Esguia, elegante, bela pele e belos olhos amendoados. Mas não tinha qualquer traço de sensualidade.

Quando viu que Suicídio – depois entronizada como Suicídio 1, quando apareceu outra da mesma estirpe – era uma das meninas de Volta que foram convidadas para se juntar às barramansenses, Al ficou eufórico. Parecia uma ave-do-paraíso macho – até onde poderia ir a macheza travestida de diabinho de cetim vermelho.

Aurélio tinha (ainda deve ter) o raro hábito de lascar um apelido em alguém e consagrá-lo como definitivo, ainda que fosse o único a repeti-lo.

-- então venham você, Alexandre e o Verrugão (ao referir-se a um amigo que tem uma protuberância íntima, digamos, assustadora).

Ou: -- Fala para o Porno-man (este não me lembro da justificativa, nem a quem ele chama quando sai com esta) me ligar.



Mas Suicídio colou porque nós não a conhecíamos. Eu, Enéas e Gugu sequer sabíamos seu nome de batismo. É lógico que antes mesmo de a encontrarmos em Angra, Al tinha a ficha completa da menina: nome, idade, quem namorou, por quem suspirava, escolaridade, tipo sanguíneo, etc.



Mas fora Aurélio, ignorávamos seu nome, e ainda que soubéssemos, subreptilinarmente não queríamos dar este crédito a ela. Imagine eu falando:

- Olha que graça aquela baixinha, a terceira à esquerda da Maria Eduarda (nome hipotético da Suicídio).

Então para gáudio do inventor de apelidos, sempre nos referíamos à ela como Suicídio.







Enquanto isso, tentava me manter o mais confiante possível. Dei umas voltas no salão sozinho; depois fui falar com Andréa e Nazareth, isso na companhia de Enéas, Aurélio e Gugu. Pulei com Andréa, depois com a irmã dela; nunca investindo nelas. Era como se fossem vitrines móveis, que me permitiam vislumbrar possíveis flertes.

Vislumbrei algumas chances – tinha uma Mulher-Gato chapadaça e a mercê, primeiro de um grupo de centuriões romanos, depois de um trio de pierrôs. Dei um tchauzinho de longe para a Eliane, que pulava num canto do salão. Ela trajava meias-arrastão que me causaram uma ponta de arrependimento.



Enéas também deu voltas despretensiosas com as duas irmãs. Gugu manteve o profile discretíssimo e sequer se aventurou pelo salão; Aurélio marcava passo no mesmo lugar, sempre atento às movimentações de Suicídio, enquanto desenvolvia, displicentemente, o hábito de botar o rabo que saia dos fundilhos de sua fantasia de Belzebu entre as pernas.



Bem, a primeira noite passara em branco. As mais dadivosas e espevitadas de Barra Mansa já ficaram com sujeitos ignóbis – algumas com maurícios; outras com notórios sacripantas; uma sétima com um boiolinha metido a homem.



Meu Deus!!! E eu era tão gente boa ... Feio, mas gente boa. Bocó, mas gente boa. Duro, mas gente boa. E a Natália ficou com aquele troglodiata que sequer deveria saber falar, pois desde que eles se atracaram, tão logo ela chegou, não vi trocarem palavra, apesar da intensa movimentação labial. Mas não me abati. Mantive o moral em alta. Tínhamos mais três noites pela frente.



Segunda noite. Resultado parecido com a primeira, com uma baixa na minha auto-estima, que eu estava vendo minguar a passos largos: Eliane ficou com um bem comportado pirata, a julgar pela perfeita combinação do tênis – branco, com detalhes em vermelho e tiras pretas - com o resto da fantasia – bermuda preta, camisa acetinada branca e lenço vermelho amarrado na cabeça.



Terceira noite. Começou a me bater o choque de realidade: eu era tímido demais, cioso em excesso de minhas limitações – sequer tentei ficar com uma viking loura, bonita, que bêbada feito um gambá, bastava ouvir uma senha (acho que era “Aiôôô, Silver”) que saia trotando pelo salão agarrada ao moleque que pronunciasse as palavras mágicas. Quando o galope já ia avançado, a loura se rendia aos apelos do rapaz que por, em média, dois minutos -- tempo suficiente para dar duas voltas no salão -- podia sapecar quantos beijos e agarrões conseguisse.



A bêbada viking surgiu evoluindo ainda sóbria perto de nós, mas antes das duas da manhã já estava chamando “urubu de meu louro”. E fez-se fila de interessados em dar duas voltinhas pelo salão com ela. Nenhum de nós quatro demonstrou interesse na loura, com exceção o Enéas. Só que quando ele entrou na fila para dar uns catrancos na viking, contava-se mais de 18, mas cê sabe como é carnaval....De 18 para 180, basta um estalar de dedos. Eu sei que o Enéas não deu os pinotes com a loura, porque ela fora resgatada por um casal de primos ou por dois amigos, sei lá. Já não tinha mais o chapéu chifrudo e estava prestes a ficar sem a bata. A machadinha de plástico, para se defender de possíveis inimigos e predadores, sumira óóóóóó, fazia tempo.



Sei que minha auto-confiança estava indo para o brejo. Ficava junto do Aurélio e do Gugu, que limitavam-se a comentar, entre copos de cerveja, o quanto a odalisca, a feiticeira eram gostosas. Mas eram comentários para ninguém ouvir. Imagina se aquela desenibida fantasiada de modelo e atriz escuta a gente falando dela?!! Peraí, existe fantasia de modelo e atriz?



Parecíamos integrantes do bloco carioca “Concentra, mas não sai”: na beirada do salão com copos de cerveja na mão e a ginga típica de quem é natural de Volta Redonda. Vez por outra, dávamos juntos ou separados voltas no salão, para assegurarmo-nos que não tínhamos morrido (pelo menos era essa a minha sensação).



Aurélio, no começo da terceira noite no Aquidabã, chegou a ficar preocupado com a ausência de Suicídio. Mas logo Andréa, que era prima da dona da casa de praia onde as belas de Barra Mansa e de Volta estavam hospedadas, tratou de tranquilizá-lo:

-- A Isabel (poderia ser Suelen, ignoro solenemente o nome da moça)? Ela não veio porque está um pouquinho febril, resfriada. Amanhã vem até na matinê, de tarde.



Mas Aurélio só sossegou quando avistou o mauricinho com quem trocou bem-comportados beijos na véspera. Usava uma desconfortável, porque calorenta, pólo La Coste, bermuda cargo e tênis Adidas, vestimenta semelhante à que ele usara na noite anterior. Só que na ausência de Suicídio, ele jogava uma conversa numa ruiva gostosona sentados na mesa dela.



Descobri que tem gente que vai aos bailes só para pular mesmo. Que consegue se divertir com batalhas de confete e serpentina ou simplesmente com a música estridente e repetitiva tocada por uma bandinha safada. Gente diferente de mim (que ia aos bailes cheio de segundas, terceiras, quartas e quintas, principalmente quintas, intenções). Andréa e Nazareth eram assim. Cansei de ver caras - alguns limpinhos, outros mamados que só – tentarem pular com elas e serem refutados imediatamente. E sobrava alegria e sobriedade naquelas marujas que se fartavam de água ou, muito eventualmente, de um refrigerante – na época, não tinha diet.



A mim, cheio de más intenções, restava-me o consolo de mirar o mar, um pouco afastado daquela algazarra. Definitivamente, eu não tinha o mínimo de competência para concretizar meus ideais devassos. Mas a pá de cal naquele que seria o carnaval redentor viria num sutil e macio tapinha nas costas.

-- Cê tá bem? – perguntava-me Eliane, que se afastou do pirata arrumadinho alguns metros para me perguntar isso.

Caraí!!! E o pior é que sua preocupação era sincera; preferia mil vezes que soasse como vingança, que ela viesse tripudiar do meu fracasso. Mas não.

-- Você está se sentindo bem? Bebeu muito? – perguntava, com devotamento sincero.



-- Que nada, Eliane!! Só vim tomar um ar. Já tô voltando para lá. Afinal, a gente tem que aproveitar, já ta acabando.... – dei um pinote de alegria convicta e voltei para o tumulto do salão. No fundo, e no raso mesmo, queria que ela me abraçasse, me beijasse e esquecesse aquela frase imbecil e imprevidente “Quero terminar” e aquele gentil pirata. Mas me restava um tiquinho de dignidade e saí dali do deck deixando o casal à vontade para os derradeiros amassos daquela noite.

De volta aos bêbados, às devassas, aos foliões sinceros e aquele som horroroso tocado pela bandinha, me baixou o banzo quando ouvi pela décima-quarta vez os vocalistas (dois negões, uma mulata magra e uma senhora branca, gorducha e baixinha) entoarem “Oh, quanto riso/ Oh, quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão...”. Que saudades do meu quarto, do meu pijama, da minha cama.







Nem preciso dizer que me recusei terminantemente a ir na matinê de terça-feira. Preferi ficar jogando tarrafa no rio que desembocava na baía do Pontal, próximo ao condomínio de casa vizinho ao I.C.A.R. Enéas também preferiu ficar dormindo na casinha do Pontal. Mas estava só se poupando para a noite. Ele estava às voltas com uma tal de Adriana, nativa de Angra mesmo.



Aurélio e Gugu foram sozinhos à matinê de onde voltam umas seis e meia, três horas e meia depois de terem deixado o Pontal. Al vestiu uma roupa de “civil”. A fantasia ficara guardada para a última noite.



Eu não queria saber mais de carnaval. Eu era um crítico incorrigível e não conseguia me ver, lépido e faceiro, investindo em um amor de carnaval, que duraria, no máximo, algumas horas. Tinha senso de ridículo. Sabia que precisava conhecer bem a menina para chegar. Aparência e indiferença a tocos não eram meu forte.

- Devia ter te ouvido, Aurélio – reconhecia. – Não devia ter despachado a Eliane.
Caralho!! Admitir que o Al estava certo, era o cúmulo do erro. Ir ao Aquidabã para quê? Para mim, o carnaval acabou, mesmo antes de ser reconfortado pela Eliane.

Bem, tanto insistiram que fui demovido da idéia de dormir cedo e fomos, os quatro, para o Aquibadã. Chegamos lá, meia-noite e meia. Eu sentia os esforços de jogar rede no rio parte da tarde e só dei três voltas no salão. Com Andréa, com Nazareth e uma terceira sozinho, só para comprovar que o pirata da Eliane não era tão gentil assim. Empenhavasse em sufocá-la com um tremendo e vil chupão. Só não investi contra o sujeito, porque ela parecia estar gostando e muito.



De resto, fiquei “concentrado mas não saí”, ao lado de Aurélio e Gugu. Enéas sumiu. Na companhia de Adriana, é claro. Gugu só tinha olhos para uma angrense amiga da Andréa. Mas só olhos, porque coragem para falar com ela, ele não tinha.

Al seguia obcecado na Suicídio. Quando ela e mais três amigas, de narizes igualmente empinados, deram três voltas pelo salão, Aurélio ficou eufórico. Convenceu Gugu a segui-las. Como recém-descidas de um pedestal, lançavam olhares reprovadores àquela plebe ignata. O mauricinho que sapecara-lhe umas bitoquinhas no domingo e agora entretinha-se com a ruiva, bem mais fornida do que ela, também foi fulminado pelo olhar de desdém de Suicídio.

Na segunda volta, Gugu parou próximo a um grupo de meninas, entre as quais Andréa e a menina de Angra. E não é que ele puxou papo com a guria?! Através da
Andréa, mas puxou.



Enquanto isso, Al acompanhava, embevecido, o “desfile” altivo da sua princesa entre os plebeus. Quando completou a terceira volta, ela e as três asseclas subiram as escadas e se refugiaram, enojadas, numa das muitas mesas reservadas para as meninas de Barra Mansa.



Faltava meia hora para o fim do baile. Se eu não dependesse do Aurélio, já tinha ido dormir no Pontal há séculos. Já passava de cinco e meia da manhã, quando a bandinha entoou pela última vez, naquele carnaval, “Ai, ai, ai, aiaiai/Tá chegando a hora/ O dia já vem raiando, meu bem/ Eu tenho que ir embora”. No salão, restos da batalha carnavalesca travada há pouco: confete, serpentina, garrafas plásticas de refrigerante, a viking louraça, que voltou a encharcar-se de vodca, os primos que foram resgatá-la de uma tribo indígena canibal, nós quatro – Enéas reaparecera – e outros desconhecidos que esperavam os outros foliões saírem.

Havia um espírito nostálgico entre os casais e grupos que iam se deixando ficar. Até o Aurélio, que a ninguém abateu, respirava esta atmosfera idílica. Eu só queria esquecer mais aquele trágico carnaval, as cagadas que fizera antes de pisar no Aquidabã e... aiiii!!! Quem eu vejo sentada de mãos dadas e rostinho colado na entrada do salão? Eliane! Trocando beijos bem mais que protocolares com o pirata tricolor. Se arrependimento matasse...



Não posso dizer que estava sozinho na merda. Enquanto esperávamos o salão esvaziar, Aurélio seguia encarando de longe Suicídio. Botar o rabo entre as pernas havia virado um hábito arraigado. Eis que Suicídio põe-se a olhar em nossa direção. Aurélio sustenta o olhar e diz, eufórico, baixinho:

-- Olha!! Olha!! A menina tá me encarando!

Com a ar blasé de sempre, Suicídio pergunta a uma menina que desce as escadas ao seu lado sustentando o olhar e abrindo espaço para uma pergunta, no mínimo, vulgar e capciosa:

-- Olha aquele bigodudo fantasiado de capeta. Será que é viado?

sábado, 19 de dezembro de 2009

Carnaval em angra - 3

Passamos mais três dias em casa, e vrrumm...Já estávamos no caminho de Angra novamente. Três dias antes do primeiro baile de carnaval no Aquidabã. Tempo mais que suficiente para tomar decisões apropriadas para o maior (o primeiro do novo Eros, garanhão, pegador) carnaval de minha vida.

Na noite do mesmo dia que chegamos ao Pontal, fomos para Angra.
Antes de encontrarmos com as meninas, já na Rua do Commercio, a principal da cidade, anunciei, resoluto, aos meus companheiros, ainda no Fiat
do Al.
-- Hoje vou terminar meu namoro com a Eliane. Carnaval tá chegando, vai ter um monte de gostosas de Barra Mansa, e eu não quero saber de compromisso - afirmei, com ares do mais novo boçal do pedaço.

Aurélio ainda me advertira, solícito:
-- Não faz merda, Eritos. Vai que num arruma ninguém nos bailes. Vai fazer o quê? Ficar com cara de bunda, chupando o dedo? Melhor você ficar com a Eliane...
-- Acha que sou louco? Eliane vai pular no Aquidabã também... Quero é distância... Com Bárbara, Renatinha, Natália (é claro que são nomes fictícios, não me lembraria de ninguém, a não ser de uma, a preferida do Aurélio) no baile, cê acha que eu entraria de mãos dadas com a Eliane? – justificava, canalhamente, minha opção por terminar o namorico de verão.

E eu falava das meninas de Barra Mansa como se as conhecesse. Sabia seus nomes – eram famosas para parúaras como nós - mas nunca trocara palavra com elas. Mas neste carnaval queria ver alguma resistir ao meu charme e à minha virilidade. Naquele momento, eu realmente acreditava que era charmoso e viril.

Encontramos as meninas. E eu queria me livrar de qualquer compromisso com a bonitinha de olhos azuis.

-- Oi, Eliane. Tenho que te dizer uma coisa – comecei, depois de um beijo não mais do que protocolar, num banco da praça que fica em frente ao cais. – Quero terminar.
Era evidente a surpresa da menina. Titubiou:
-- Mas, mas o que que houve? Tava tudo bem com a gente até você ir para Volta Redonda...
-- É... Mas o carnaval taí. E num gosto de manter namoro durante o carnaval – esnobei eu, como que gabaritado por muita experiência, antes de proferir o chavão impronunciável – Acho melhor ir cada um pro seu lado.
Era visível a decepção de Eliane, mas ela foi elegante e prática.
-- Certo, você é quem sabe. Tudo bem, então. Amigos? – propôs ela, me dando um abraço fraternal.

Pronto. Dissipei um problema, sem criar outro: a inimizade de Eliane.

Na quinta-feira, antevéspera de sábado de carnaval, um encontro aumentou significativamente nossas chances com as beldades de Barra Mansa. Trocamos a manhã no Pontal por boas horas em Angra. E fomos a uma das únicas praias razoáveis de Angra. A Praia das Gordas, vizinha ao Iate Clube do Rio de Janeiro (não me perguntam a razão dos nomes; ignoro totalmente).

Lá, graças ao estilo “entrão” do Aurélio, ficamos conhecendo Andréa, sua irmã, Nazareth (não, não são nomes fictícios) e mais três meninas de Barra Mansa. Longe de “abalarem Bangu”, elas eram ótimos canais até as iguarias barramansenses (ou “barramansuínas”, se o assunto fosse alguma querela envolvendo habitantes da cidade vizinha a Volta Redonda). Ainda mais que estavam hospedadas na mesma casa (uma mansão) que “nossas” meninas. Elas nos contaram que durante o carnaval deveriam ter umas 15 meninas, algumas de Volta Redonda.

Andréa e Nazareth eram gurias legais e bonitas – mas naquele verão, só tínhamos olhos para as outras, as sebosas e metidas que sequer sabiam da nossa existência – quanto mais de nossas pretensões.

Chegou o grande dia e eis que pontualmente às 11 da noite adentramos o Aquibadã, cheios de ímpeto juvenil.

Antes, porém, sacaneamos muito, eu e o Enéas, principalmente, o Aurélio e sua fantasia de diabo.

Aurélio vestido, fizemos alusões à masculinidade do traje. Mas a fantasia do Gugu?
-- Ih, Aurélio, me esqueci de trazer – disse Gugu, entre sorrisos que denunciavam que a frase soava como “me lembrei de esquecer”.
Foi aí que o Enéas instigou o demônio, de cetim rubro, enquanto o Melão (me lembrei neste minuto que também chamávamos o cabeçudo do Gugu por este apelido), já vestia seu traje de “civil”.
-- Que sacanagem, Gugu!! A d. Geralda passa noite em claro fazendo a tua fantasia e você sequer a traz para cá – disse Enéas, esperando uma reação do Al.
O esporro do Aurélio veio quase imediatamente – só não veio contíguo a incitação do Enéas porque o Aurélio, naquele momento, fazia uma barbichinha com lápis preto que ele pegara com sua irmã, Celeste.
-- Pó, cê num esqueceu. Não trouxe porque não quis. Putaria com a Geraldinha... Ela deu um duro danado... –disse Al, botando, pela primeira vez, o rabo do capeta entre as pernas, como um pinto.
Este gesto, ele repetiria, displicentemente durante todas as quatro noites de carnaval.
Sei que entre cobranças de Aurélio, desculpas esfarrapadas de Gugu e muitas risadas minhas e do Enéas, partimos para o clube.

Carnaval em Angra - 2

Eu, Enéas, Aurélio e Gugu compráramos ingressos para todas as noites de carnaval no Aquibadã, na praia do Anil (Isso! Me lembrei do nome da praia mais popular e poluída de Angra!). De quebra, ganhamos entradas para as duas matinês.
Minha performance em carnavais era indigna de nota. Com a manemolência de um norueguês e a desinibição de um coroinha de igrejinha do interior, era um zero à esquerda com meninas (fossem lindas ou canhões, minha incompetência era bem democrática) nos salões carnavalescos - e também fora deles. Eu era tímido demais. Achava uma falsidade quatro dias de devassidão para um sujeito bocó os outros 361. Só porque era carnaval? E cerveja e toda a sorte de bebidas alcoólicas estavam liberadas? Isso para ficar no teor etílico e lícito da “embriaguez”...
Cada vez que a bandinha entoava “Bandeira branca, amor/ Não posso mais/ Pela saudade/ Que me invade/ Eu peço paz” – mote para o cara lascar um beijão na boca da menina que pulou a música anterior com ele, independentemente de se conhecerem há 20 segundos – eu só queria estar de pijamas, dormindo no meu quarto.

Mas “este carnaval não vai ser igual àqueleS que passarAM” apropriava-me eu, confiante como nunca, da letra de outra marchinha conhecida.

Incrível o que uma namorada, ainda que de verão, não faz na alma espinhenta de um adolescente...

Eu e Eliane nunca passávamos de uns amassos junto ao muro de uma das muitas igrejas de Angra, ou de beijinhos mais comportados numa lanchonete onde sempre pedíamos sorvete – tinha um de maracujá que era um sonho.
Mas aquele namorico me encheu de moral. Comecei até – sortilégio dos sortilégios, equívoco dos equívocos – a me achar bonito. Bom papo. Irresistível mesmo.

Faltavam sete dias para o carnaval e depois de duas semanas direto no Pontal, voltamos ao Voltaço, no Fiat 147 do Al. Mais para pegar grana para passar o carnaval do que por qualquer outro motivo. Não, minto. Aurélio e Gugu foram
buscar fantasias que d. Geralda, mãe de Al, fizera exclusivamente para a ocasião.Tinha perdido noite de sono para confeccionar tudo a tempo.
-- Anda, Gugu. Vem aqui pra casa. As fantasias estão prontas. Vamos experimentar que a Geraldinha ainda pode dar um jeito, caso não estejam boas – Aurélio convocara Gugu por telefone, no dia seguinte à nossa chegada em Volta.

Em dois tempos, Carlos Alberto Barenco Pinto, o Gugu, estava na sala do apartamento do Aurélio. Eram vizinhos no Aterrado, bairro onde morava boa parte dos nossos companheiros de Macedo Soares.
Sem muito alarde, d. Geralda tirou, cuidadosamente, as fantasias de uma sacola plástica.
-- A sua, Aurélio...E a sua, Gugu... – anunciava, orgulhosa, Geraldinha, assim chamada pelo filho pela pouca estatura. -- Não tinha outro pano. Este era o mais fresco que achei.
Quando Aurélio viu a sua e põe-se de cuecas – afinal, em casa só estavam sua mãe e um amigo – exclamou, enquanto vestia a fantasia:
-- Pô, Geraldinha, muito maneiro!!! Cê caprichou!!

D. Geralda caprichara mesmo. Ficou muito legal. Não sei se para um homenzarrão como o Aurélio.

Tratava-se de um macaquinho – um macacão sem calças compridas – num tecido que lembrava cetim, todo vermelho, cujo peito era aberto para melhor ventilação. Do short, a roupa subia pelas costas e terminava num capuz, de onde saíam dois chifres escuros. Ah, nos fundilhos também foi costurado um tecido preto, que graças a um enchimento, tinha consistência mais dura, como os chifres. Era uma versão menos calorenta do capeta.

Al era um júbilo só, feliz da vida com sua fantasia de Coisa-ruim rubro-negro (Pleonasmo? Todo rubro-negro é Coisa-ruim?), abraçava d. Geralda, beijava-a e a tirava do chão aos berros de “Geraldinha é campeã”.

D. Geralda tentava manter a sobriedade diante da felicidade do filho que tanto amava e mimava.
-- Me põe no chão, Luís Aurélio. Pára com isso – dizia, no fundo, radiante com os rodopios nos braços de Al.
Gugu mal disfarçou a decepção. O Aurélio vestido de capeta, peito e pança à mostra, com aquele capuz com chifrinhos e aquele rabo preto no meio da bunda era a própria visão do inferno!!

-- Maravilha, d. Geralda. Puxa, brigadão mesmo. Ficou muito bacana -- disse Gugu, já se encaminhando para a porta de casa
do apartamento de Aurélio.
¬¬-- Ei, ei, Espera aí, cara. Cê num vai experimentar não? Este seu cabeção pode num caber no capuz e aí? Aproveita que a Geraldinha pode arrumar isso... – disse Aurélio, já ressabiado com o pouco entusiasmo demonstrado pelo companheiro.

Imediatamente, Gugu sacou sua fantasia do saco plástico e vestiu só o capuz enchifrado, e mostrou que sua cabeçora cabia no capuz de sua fantasia.

-- Viu, Aurélio? Perfeito, perfeito – afirmou Gugu, retirando o capuz da cabeça e socando a fantasia de volta à sacola. -- O resto nem precisa experimentar... A senhora num fez com as minhas medidas? Então, num tem erro.
Até mais, Aurélio. Brigado, d. Geralda.


A mãe do Aurélio mal teve a chance de balbuciar um “mas” e contestar a saída intempestuosa de Gugu.

Carnaval em Angra 1.1

Em fevereiro de 1979, passei o carnaval em Angra. Aquele era o último ano antes de ir para a universidade. Foi também o último verão passado na meia-água que tínhamos no Pontal, a 14 quilômetros de Angra – mas isso só saberia muito mais tarde.

Pela primeira vez e passados muitos anos – uns quatro, desde que me tornara adolescente, uma eternidade na época – arranjei uma namorada na cidade. O nome da moça era Eliane – e não era nenhum bagre não.

Dezesseis anos, bonitinha, tinha olhos azuis, talvez um tico rechonchudinha. Tinha uma irmã que era mais nova, uns 14, cujo nome não me lembro.

Sei que nós ficamos amigos dessas e acho que de mais duas meninas. E isso em Angra dos Reis, na cidade mesmo, para onde íamos todas as noites daquela temporada.

Tínhamos decidido passar o carnaval lá, já que em Volta nós não pegávamos ninguém. Ainda mais que soubemos que uma legião de ninfetas de Barra Mansa iria pular no Iate Clube Aquidabã, cuja praia, como todas da cidade, era horrível.
Meus companheiros de aventura eram o famigerado Enéas, que protagonizou outras histórias já descritas, o Aurélio e o Gugu.

O Enéas tinha cabelo liso num corte curto. Olheiras, um nariz um pouco acima da média. Um rosto comum. Tinha 1,75m mais ou menos. Sempre esteve mais para gordo do que para magro. Quando criança, “mamava” uma lata inteira de leite condensado, e gordinho, era delicadamente chamado pelos colegas da rua 40, onde morou, de “Banha”.

Aurélio era (ainda é, graças a Deus!) um figuraço!! Narigudo, um bigode quase ruivo, cabelos muito finos, uma calva (na época) que logo se transformou em fulgurante careca. Tem mais de 1,80m e, na época, uma pancinha de chope. Ganhara o apelido de Pastoso, pelas consistência de sua voz e morosidade de concluir um raciocínio.Certa vez me contou em duas horas e meia um filme que tinha duas. Depois daquele massacre narrativo, virou-se para mim e disse:

Que bosta de filme, hein, Eritos?

Não era um sujeito dos mais responsáveis – eventualmente fazia merdas inomináveis - mas em sua rudeza prezava como poucos a amizade sincera.

Gugu era a sombra do Aurélio. Unha e carne, tinha lugar cativo no banco de carona do Fiat 147, azul bebê, placa de Volta Redonda (só me lembro dos números: 3333) do amigo. Cabelos curtos, enroladinhos e castanhos-escuro pontuavam sua cabeça -– maior que a média. Tem (isso é imutável; bótox só aumentaria a circunferência) um rosto redondo, é troncudo e pouco mais baixo que Al (sei que o certo seria grafar o apelido com u, mas Au? Ninguém merece...).

justificativa

Como os textos são grandes demais – além de prolixo, me deixo guiar pelos desvãos da memória, como um gato guia-se pelo cheiro de peixe – resolvi dividir a crônica em capítulos.
De nada adianta, pois estão linkados irreversivelmente. Você precisa ler em ordem para encontrar algum sentido. Mas tem o efeito psicológico: “Oba, quatro textos SÓ gigantescos”.

Meus parcos leitores (só não os cito nominalmente porque posso ter perdido o poder de cativá-los e aí seria um erro grotesco arrolá-los como testemunhas), por favor, opinem.





Saibam que o que me importa é qualidade, não quantidade.
Observação: quando escrevi isso ainda não tinha concluído o quarto e último capítulo da saga “Carnaval em Angra”. Ou seja, tô mais vagaroso que cagado, isto é, cágado.