terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

TS 1.4

T.S. . Turma de Sacanagem. A gente nunca tinha ouvido falar, mas pareceu a todos uma idéia promissora. Quem veio com esta história foi o Osvaldo, irmão mais velho do Paulinho Cabeção, quando, “alemães” que eram, se infiltraram na nossa turma. Osvaldo, com minha ajuda – culpa já assumida e prontamente desculpada – chegou a tocar o apito de líder. Por pouco tempo, graças a Deus.


Uma T.S. seria um bando de moleques – nós, bocós por completo, sem o menor traquejo em investidas agressivas -- concentrado em ações terroristas a namorados, cachorros, vizinhos mais velhos e o que mais pudesse se tornar um alvo em potencial. E não haveria de ter alvos, prometia, exagerando o tom, o Osvaldo.

Nós, os bocós, éramos sete pacíficos garotos (tínhamos entre 11 e 14 anos): eu (morador da casa 30 da rua 27), Samuel (da casa 24), os irmãos Marco e David (do número 20) e mais três guris da rua 20, uma das quatro transversais da 27, que separava meu quarteirão do das casas do Muel e de Marco & David. Minto: na época do Osvaldo, estávamos brigados com o Cláudio Esperança. Os únicos da 20 a integrarem nossa turma era o Vito (o nome verdadeiro deve ser o mesmo de um clássico da literatura eslava, Wilkens) e o Nem (apelido mais plausível para um simplório Aloísio).

Irmãos com uns quatro anos de diferença, Osvaldo e Paulinho moravam na mesma 27. A exatas quatro casas e mais uma ruazinha transversal, a 22, da minha. Um continente de distância, hábitos e língua diferentes – não, não, língua não -- em nossa imaginação de criança.

Não me lembro do ponto de contato. Acho que o Osvaldo queria agarrar num time - desde que o Topo Gigio, mítico time no qual ele era goleiro, e Paulinho, reserva absoluto, pois era um zagueiro muito do perna-de-pau, fora extinto ele não mais jogara. E via potencial em nosso time, os Falcões – plágio descarado do Águia, equipe que só reunia gente da rua 22. O Águia media forças com o Topo Gigio pela hegemonia dos campinhos que pipocavam na 27, às margens de um afluente do rio Brandão.
Osvaldo era bom goleiro, embora se achasse muito melhor do que realmente era. Muito exagerado, tinha como hábito de abrir excessivamente a boca, como a salientar a importância do fato que protagonizara ou testemunhara. Valera-se de ser mais velho e suficientemente maduro para assumir o controle de nossa turma – que tinha dois moleques de 10 anos, David e Muel; eu tinha 11; e Marcos e Nem, 12. Vito ou Wilkens era da idade do Osvaldo, 14 para 15, mas intelecto e sensibilidade não eram nem Tico nem Teco na cachola dele.

Um exemplo da sagacidade do brutamontes. Certa vez, aflita com o destino das borboletas implacavelmente caçadas por Wilkens, Nora, minha irmã, pediu, chorosa:
-- Num mata elas não, Vito.
-- Num tô matando não, Norinha – tranqüilizou-a o toupeira, completando a sentença: -- Só estou arrancando as cabecinhas.
Nosso time tinha dois caras bons de bola: eu e o Nem, que éramos magros de ruim (eu ainda sou); o Vito, truculento e vigoroso zagueiro – do pescoço para baixo, bordoada não era falta; Marquinhos, David, Muel e Paulinho eram uma mulambada só.
Mas o Osvaldo viu em nós mais do que apenas um bando que jogava bola.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tênis no toró 1.2 (lembrança do turteis)

Eis que me ergo do sofá-cama, puto, e aos primeiros acordes de “A volta do boêmio” (“Boemia, aqui me tens de regresso/e suplicante te peço a minha nova inscrição”), sucesso imortalizado por Nelson Gonçalves, nas vozes zombeteiras de Enéas e Artur, pego um par de tênis e isolo um por um pela janela da casa do Pontal, em Angra.

Chovia horrores, mas a janela estava escancarada por conta do calor e como não chovia de vento, a água não respingava no quarto.

Ao meu ato, bradei, silhueta iluminada por raios que a tempestade vomitava, intensificando o toró (de “silhueta” até “toró” foi só para conferir dramaticidade à ação):
-- Eu avisei! Agora quero ver neguinho ir buscar o tênis lá fora com esta chuva!!

Naquele dia de janeiro de 1977choveu pesado até às 6 da tarde, quando a chuva deu uma estiada boa e conseguimos ir ao I.C.A.R.

Éramos em cinco: eu, Cláudio Esperança, Enéas, Lair e Artur, este já um músico fabuloso (tem um dom raro mesmo entre os músicos consagrados – ouvido absoluto). E obviamente sempre o Artur levava consigo um instrumento -- naquela noite, um violão. Ele, hoje um maestro, naquele tempo já era o centro de qualquer rodinha: bastava alguém cantarolar um fraseado que ele tirava a música. Isso é ouvido absoluto.

Bem, sentamos numa mesa e logo começou a juntar gente. Artur tocou as indefectíveis e, por isso mesmo, insuportáveis “Andança” e “Travessia”, e mais umas dez músicas. Mas nos mandamos de volta para casa quando começou a ventar forte do mar para o continente, sinal de que chuva forte não tardaria a cair.

Estranhamente – não sou um cara mau-humorado – estava chateado. Um pouco pelo chuvaréu que fez daquele dia um tédio, muito pela presença do Lair passando dias lá em casa.

Lair era um cara legal, jogava pelada com a gente, foi titular da primeira seleção de basquete do Clube Recreio do Trabalhador, formada pelo Paulinho Camargo. Nada contra, em absoluto.

Mas estava pau da vida, porque eu, o dono da casa, não o havia convidado para ficar lá com a gente. Íamos sempre a Angra e calhou de esbarrarmos com ele. Lair estava na casa de primos e dali a dois dias ia embora para Volta.

No dia seguinte, o encontramos novamente em frente a um supermercado. Até passamos um constrangimento juntos: entramos no mercado, três de nós – acho que o Cláudio e o Artur não fizeram a besteira – abrimos iogurtes, tomamos e jogamos no lixo do mercado, antes de irmos ao caixa pagar nossas compras: pão de forma, margarina, leite longa-vida, miojo, velas e outros itens de sobrevivência na meia-água sem luz.
A caixa cobrou-nos:
-- $ (não me lembro a moeda e o valor é chute) 28,80.
Tirei $30 do bolso e dei para ela.
Nisso ouvimos a voz possante de um segurança:
-- Cobra mais $ 2,40, Marta. $ 0,80 por cada iogurte que estes “senhores” tomaram no passeio pelo Epa (nome fictício do mercado).
Sequer tentamos uma desculpa esfarrapada. Rubros de vergonha, coletamos mais $1,20 e demos no pé, rapidinho.

Quando íamos para o terminal rodoviário pegar o ônibus para o Pontal, Lair veio atrás.
-- Ei, ei. Vou ficar com vocês --
disse ele, que só trazia uma mochila não muito cheia. – Tinha decidido ir embora hoje mesmo. Já ia para a rodoviária quando encontrei vocês. E já é sexta. Posso muito bem ficar com vocês até segunda.

Cabia a mim cortar a permanência dele conosco, Afinal, a casa era minha. Eu era o senhor do castelo. Sem luz, com água fria, calor, mosquitos, mas era o meu castelo. Sua decisão de ficar entre nós sem qualquer consulta me deixou puto. Mas como era de meu (péssimo) feitio, não fiz qualquer objeção.

Bem, uma vez explicada a razão do meu azedume, voltemos para o meu brado, naquela noite tenebrosa. Tínhamos, diante da ameaça de chuva, voltado para casa antes das 10 da noite.
Chegando em casa, estendemos as duas redes na varanda, Artur, de violão em punho, puxava músicas bacanas de Milton e Gonzaginha, mas esquecêramos que nenhum de nós tinha voz. Mesmo o Artur tinha uma voz de pequeno alcance. E rapidamente começaram as galhofas tocadas por Artur, interpretadas por Enéas e Lair. Sei que aquelas asneiras foram me enchendo o saco. Quando esboçaram “Mariazinha do bole-bole”, me levantei da rede.

-- Chega! Vou dormir, que é o melhor que eu faço. E vê se não fazem muito esporro, tá? – fui para o quarto, seguido pelo Cláudio, também puto com a cantoria.
Fechamos a porta, mas a cantoria desafinada prosseguia, agora mais alta. Berrei lá de dentro:
-- Podem diminuir o volume?
Pelo sorteio, o sofá-cama cabia a mim e ao Artur. Cláudio dormia num dos colchões num canto do quarto.
Por alguns segundos, a cantoria cessou. Mas deu lugar a risos abafados, sinal que a sacanagem continuaria.

A chuva era intensa em volume, mas nada de vento. Os caras – Enéas, Artur e Lair – foram miar debaixo da janela escancarada, já que tinha uma laje de uns 30 centímetros em torno de toda a casa. Cantaram uma besteira qualquer e, rindo, voltaram correndo para as redes.

Ainda dei uma de macho, saindo do quarto e ameaçando:

-- Porra, num dá pra sossegar o facho, não? Guarda um pouco deste humor para amanhã... Eu tô avisando, já estou cansado, quero dormir...

--Ah, ele tá cansadinho...Vamos fazer silêncio, gente – desdenhou Enéas.

Novo silêncio entrecortado por risadinhas. Bem próximo da porta, acordes, gargalhadas e cantoria rápida. Não mexi um músculo. Voltaram a cantarolar perto da porta, esperando que eu saísse do quarto. Como não saí, Enéas e Artur adentraram o quarto – Lair ficou na rede – cantarolando “Boêmio”.


Eis que me ergo do sofá-cama, puto, e diante de zombeteiros Enéas e Artur, pego um par de tênis e isolo um por um pela janela da casa do Pontal, em Angra.

Ao meu ato, bradei, silhueta iluminada por raios que a tempestade vomitava, intensificando o toró (de “silhueta” até “toró” foi só para conferir dramaticidade à ação):
-- Eu avisei! Agora quero ver neguinho ir buscar o tênis lá fora com esta chuva!! (Ei, ei, eu já vi isso antes. Será que foi no cinema? Observação: isto é ironia, claro. Este é um recurso relativamente comum no cinema. Narrar um fato, recorrer a flashbacks até chegar à tal ação novamente e continuar daí a narrativa.)
Imediatamente Enéas vai até onde estavam as coisas dele, tateia no breu e encontra seu par de tênis. Entre risadas dispara:
-- Meu tênis táqui.
Artur procura os seus, os encontra e também anuncia, intensificando as risadas:
-- Os meus também estão a salvo.
Como os do Lair estavam nos pés dele, e o Claudio, meu aliado, comentou, sem conter o sorriso – uma vez que a situação era engraçada pacas - que os dele também estavam livres da chuva, só me restou dormir mais furibundo ainda. Com aquele tiro no pé, minha moral caíra e escorria como a chuva que encharcava os meus tênis.
Os caras resolveram acabar com a cantoria e vieram dormir. Trocaram um monte de gracejos diante da minha hilariante vacilada, mas o que realmente me incomodava, até cair no sono, eram as risadinhas abafadas do Enéas deitado no colchão dele.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Pneu furado

Isso aconteceu ainda na fase “porra louca” de meu pai, quando minha mãe ainda era viva. Não sei o ano; sequer garanto a década. Vou ser o mais preciso possível: foi entre 1975 e 1983, respectivamente, o ano seguinte à fratura da perna direita de d. Leonor e o ano da morte dela.

Minha irmã Nora “encontrou casualmente” meu pai no bairro do Aterrado, num bar em frente à delegacia. Isso a uns cinco quilômetros de casa, uma ida de ônibus da Vila ao lá e às 11 da noite. Mas Norinha o convenceu de que estava na casa de uma amiga. Voltava para a Vila quando passando em frente ao botequim que meu pai freqüentava, divisou-o numa mesa junto a velhos e novos amigos de bar.

- Oi, pai - apressou-se ela a cumprimentar o Celinho, antes que algum daqueles vira-latas que o acompanhavam mexesse com ela.

Livre do constrangimento que um gracejo poderia desencadear, Norinha sapecou dois beijos nas faces semi-barbeadas do pai e continuou:

-- Eu estava na casa de uma amiga, a Dilma, quando passei em frente ao bar e vi o senhor. Aí, pensei: “vou esperar ele acabar o papo e pegar uma carona com o Celinho”.

Tão logo ela chegou, fez-se silêncio na mesa e um velho conhecido de meu pai – não posso chamar aqueles trastes de amigos – até cumprimentou-a.

--E aí, Eleonorinha. Acompanhando o pai? Cadê o cavaquinho, Celinho? Busca ele no carro, vai – disse Hamilton, o único daquela corja que não tinha interesse em jogo com meu pai.

Celinho odiava quando chamavam o bandolim dele de cavaquinho. Para ele era uma depreciação. Não tanto, embora também, pelo diminutivo; mais pela completa ignorância musical de quem confundia os instrumentos.

Mas foi minha irmã que gelou diante da possibilidade de ter que acompanhar o pai,numa quinta-feira, saindo sabe-se lá que horas do boteco. O dia começava cedo para ela na Cobrapi, uma empresa que prestava serviços à C.S.N.

Mas indiferente ao pedido de Hamilton, farmacêutico do hospital da companhia, e da troca indesejável de seu bandolim pelo cavaquinho, Celinho pediu ao garçom “a dolorosa”, isto é, a conta. Pagou aquela montanha de cervejas e pratos de aperitivos, consumidos por ele e mais sete camaradas, que falsamente e sem qualquer convicção protestaram diante do pronto pagamento.

E foi-se embora com a Norinha, despedindo-se apenas de um – o Hamilton – e outro. Na verdade, ele conhecia bem seu séquito de aduladores.

Logo que entraram no fusca – meu pai teve vários fuscas – 1.300 cilindradas, branco, minha irmã notou que não seria tarefa das mais tranqüilas chegarem sãos e salvos em casa. Saindo da frente do botequim, onde tinha estacionado, meu pai quase bateu num TL que vinha em sentido contrário.

Mas Norinha tinha know-how em viver perigosamente, tantas vezes no banco de carona com meu pai dirigindo alcoolizado. Ainda bem que embora em outro bairro, o caminho até minha casa era uma enorme reta. Mesmo assim, antes do meio do percurso -- a rodoviária da cidade – meu pai acelerou demais da conta e só parou quando ficou engastalhado num guard-rail que dividia as pistas e o pneu dianteiro direito furou. Graças a Deus, o baque e o esporro foram maiores do que os estragos: meu pai e Norinha saíram do carro ilesos.
¬-- Tudo bem, Nora? – tratou de certificar-se o que a aparência de minha irmã denotava, apenas susto.
-- Hã, hã...E com o senhor, tudo tranquilo? –respondeu e perguntou Norinha.
Sim,estava tudo normal. Minha irmã soube disso tão logo Celinho exclamou, com voz pastosa:

-- Puta que pariu! Como é que deixam esta bosta no meio da pista? Alguém tinha que bater!

Caraca!! O cara estava maldizendo o guard-rail que separava as pistas. É bem verdade que já estava todo destroçado mesmo antes de meu pai passar por cima dele. Mas se não fossem os restos do obstáculo, o fusca atravessaria para o outro lado, só parando num veículo vindo em sentido contrário ou num muro chapiscado do outro lado. Os destroços da divisória haviam salvado os dois.
Continuou com a cantilena alterada pelas cervejas muito além do razoável:

-- E agura? Estamos fodidos e mal pagos. Já passam de 11 da noite e vai ser ruim a gente conseguir ajuda.

Nora estranhou a fala recheada de palavrões. Não que o Celinho não os usasse. Falava, e muito!! Era um senhor boca-suja!! Mas aqueles palavrões nada tinham do tom irreverente do meu pai. Mas Norinha creditou o timbre áspero ao grau etílico em que nosso pai se encontrava.

Celinho tomou coragem para ver o estrago no valente fusquinha. Aproximando-se do parachoques dianteiro e constatou que os únicos danos foram o pneu direto furado e algumas avarias na lataria dos dois paralamas, mas isso é o que mais tinha no fusquinha, agredido que era todo dia pelo Celinho.

-- Vamos ver se funciona – disse o pai para Nora, enquanto virava a chave, com o carro em ponto morto. O fusquinha deu sinal de vida quando Celinho acelerou, fazendo esporro.

-- Acho que foi só o pneu furado – disse Celinho, sem descer do carro.

Manobrou o fusca, livrando-o dos destroços do guard-rail, desceu e retirou o estepe – careca que só – do capô dianteiro. Começou a desaparafusar o pneu, mas pela sucessão de palavrões proferidos, não estava logrando êxito.

Nisso, minha irmã vê dois sujeitos se aproximando do meio da pista, onde ela e Celinho – naquele momento brigando com o f%$#@ do pneu e aquela p%$#@ de chave de boca – estavam. Um negão, imenso, com cara de poucos amigos, e outro de cabelos castanhos-claro, quase louro, barba agreste por fazer.

Se estivesse falando, como era seu costume, Norinha teria se calado. Na falta de assunto, só alertou o pai, temerosa de que saqueadores tivessem descoberto a diligência avariada.

- Pai, pai - disse, aproximando-se do Celinho, que se contorcia em força inútil contra aqueles parafusos do c%$#@.

Sem tirar os olhos dos recém-chegados, ouviu do negão-armário:

- Boa noite! Cês estão precisando de ajuda?

Celinho, que apesar das ardvertências da Nora, só agora se deva conta de que não estavam mais sozinhos, não mediu palavras:

- Claro que não, Pedro Bó (antigo personagem de um programa do Chico Anísio, consagrado por só fazer perguntas óbvias) – disse Celinho, que à voz pastosa e ao bafo de cerveja, juntara suor farto e inglório na tentativa de trocar o pneu. - Tá f%$#@...

O negão, com cara de poucos amigos, abriu um sorriso e disse, inclinando-se para o lourinho:
-- Ta tranquilo. Deixa com a gente – disse, tomando das mãos do pai (ia empregando “meu” pai, esquecendo que quem co-protagonizou o episódio foi a Nora) a chave de boca imunda.

Os caras eram operários do alto-forno da Companhia. E entravam à meia-noite. Moravam ali perto, eram vizinhos e estavam indo para o trabalho, quando os viram em dificuldades.

Os parafusos estavam bem arrochados. O negão teve que fazer careta para conseguir afrouxá-los.

E enquanto os dois davam o maior duro, Celinho olha o relógio (um Eternamatic, com ponteiros verdes e discretos, fundo escuro e pulseira metálica. Lembro-me do relógio como se o tivesse visto ontem!!) e começou a resmungar:

- Puta que o pariu! Dois sujeitos grandes e a maior demora para trocar um mísero pneu!

Celinho não falava alto, mas também não escondia sua irritação. Norinha, envergonhada com a ingratidão do pai, era muito atenciosa; perguntava coisas desinteressantes, tals como era trabalhar no turno de meia-noite às 8h e qual era a função de um soldador, profissão do negão, chamado Cosme.

Pouco depois, Celinho dava nítidas mostras de sua impaciência. Ora chutava o ar, ora falava para os caras escutarem mesmo:

- Caralho, se fosse eu, trocaria esta merda de pneu em cinco minutos.Estes “bostas n’água” (um dos muitos xingamentos peculiares que ele adorava usar) estão demorando um século para botar este estepe!

Os caras pareciam compreender o estado de meu pai, tanto que terminado o trabalho, botaram o pneu furado junto com a chave de boca no capô, bateram o mesmo e sorrindo, Cosme – que de poucos amigos só tinha a cara – ao fim da “eternidade” segundo o meu pai, 11 minutos em qualquer relógio, despediu-se:

-- Prontinho. Ta trocado.

Ao que Celinho, gesticulando para o alto, retrucou;

-- Até que enfim. Já não era sem tempo.

E continuou, apressado e zombeteiro:

-- Vamos, vamos! Entra no carro, Norinha E vocês, Cosme e – o loirinho não se apresentou e Celinho não podia perder o gracejo – Damião, eu deixo vocês na entrada da Usina perto da Vila.

--Não precisa não, doutor Célio – disse o lourinho, mostrando que além de reconhecê-lo, sabia que ele era advogado e adorava o título. - E o meu nome não é Damião, é Lincoln. Sou filho do Seu Alberto, da peixaria da Rua Amaral Peixoto. O senhor salvou a vida dele, quando ele teve um ataque cardíaco e o internou, no peito e na marra, no hospital da C.S.N.. Meu pai vai ficar muito contente ao saber que eu ajudei, ainda que um tiquinho só, o senhor. Bem, boa noite e vão com Deus.

Dizendo isso, Lincoln e Cosme, que também se despedira, tomaram o rumo da Companhia.

Celinho permaneceu estático alguns segundos no volante do carro. Norinha sorriu seu sorriso mais saboroso.

O pai e a Nora chegaram em casa cinco minutos mais tarde sem atropelos e sem trocarem palavra.
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Lagartixa em Ipanema 4.4.

Chega de tergiversar. Vamos voltar ao cerne da história.
Diante de nossa cara de espanto com o que acabara de nos contar – a expulsão dele e da mãe do morro – Lagartixa continuou seu discurso falacioso:
-- Achei que minha mãe estaria aqui. Quando penso nela subindo o morro...

Ele sabia que a mãe só trabalhava lá em casa às terças. Porque diabos ela estaria sábado à noite lá no apartamento? E como ele conseguira as chaves da porta dos fundos do apartamento?

Eram estas algumas das perguntas óbvias que devíamos ter-lhe feito, mas, nós (eu e Dudu) nos compadessemos daquele pobre diabo.

O cara ainda mentiu sobre seu estado – mais obviamente etílico e drogado, impossível.
-- Eu tombei quando forcei a porta porque estou nervoso e fraco. Só comi um pão com manteiga e um café preto hoje de manhã. E minha mãe, onde estará? – perguntava Lagartixa, já sabendo a resposta.
Fui até o telefone e liguei para a casa do Faria. Ele atendeu, falara rapidinho com ele e pedira que me chamasse a Anita.
--Alô, Anita? Tudo, tudo. Tranqüilo. É que o Lagar..., o Gilmar vai falar com você. Beijos.

Ouvimos o cascatol repetido ao telefone com Anita. Segundo o próprio Lagartixa nos disse, tão logo desligara o telefone, que a mãe chorara ao saber dos riscos que tornara uma volta à casa impossível.

Ao contar o desespero da mãe, Gilmar, sinceramente, chorou.

-- Sou um infeliz. Só faço besteira – disse, soluçando, enquanto lágrimas percorriam as faces e um ranho descia fino pelo nariz.

Eu só disse um “Que é isso, Gilmar?! Besteira o que você está falando.”

Dudu foi mais expansivo. Não ligou para o jeito maltrapilho nem para a sujeira no rosto do Lagartixa, dando-lhe um forte abraço.
-- Que infeliz o quê. Bola pra frente, Gilmar. Só tomou café e comeu pão com manteiga de manhã? Então deve estar varado de fome! Eu estava exatamente indo fazer alguma coisa para comer quando você “chegou” – disse um entusiasmado Dudu, instantaneamente transformado num chef de cozinha diante de um gourmet do porte do Lagartixa.

Eu desisti do sanduba no MasDonald’s, fiz um misto frio e tomei uma coca na sala diante da TV.

Quando cheguei na cozinha para lavar copo e pires, cheguei no exato momento Cordon Bleu do Dudu; na hora em que ele quebrava um, depois um segundo ovo sobre aquele mix azedo.

-- Chegou na hora, Eritos. Pega um prato e vem comer também –convidou-me Dudu.

-- Brigadão, Dudu. Acabei de comer um sanduíche. Vou ler um pouquinho e dormir. Boa noite, Dudu. Boa noite, Gilmar – disse, indo para o quarto..

Na manhã seguinte, passei pela sala, onde Dudu dormia sempre que tinha pooca gente no apartamento. Já esperava encontrá-lo ali.

Não esperava era encontrar o Lagartixa morgadão, metade do corpo para fora do quartinho. Quando me veio à lembrança aquele pequeno sauro pronto para saborear aquela desgraça preparada pelo Dudu. “Pronto. Empacotou. Meteu o nariz no pó e depois comera aquele mix do Dudu...”

Mas nem tinha aberto a geladeira para pegar leite para o café e eis que escuto logo atrás de mim.

-- Bom dia, seu Eres. Bati aquele rango que o seu Eduardo preparou e dormi feito pedra. Posso dar uma ligadinha para a minha mãe? –- cumprimentou ele, que insistia no seu antes dos nossos nomes (o meu invariavelmente pronunciado erradamente).

-- Bom dia, Lagartixa – aturdido com sua pronta recuperação (esperava, ao menos, uma senhora caganeira), chamei-o pelo apelido.

Ele não reparou ou fingiu que não ouviu.


Aí, lembrei-me que, além de tudo, Anita era mãe de Santo, macumbeira – nenhum preconceito quanto a isso, meus pais também eram.

De certo fechara o corpo de Lagartixa.

Lagartixa em Ipanema 3.4

Não sem antes dar-nos uma notícia bombástica. Relevante para nós, por conta da Anita, pois para o Lagartixa,
a gente tava pouco se lixando.

-- Nós fomos expulsos do morro – proferiu o sujeito, quando conseguiu balbuciar alguma coisa que fazia sentido. – Não sei o que houve. Estava subindo o Cantagalo, voltando de um bico de pedreiro num apartamento na Barão da Torre, quando o chefe do tráfico do morro, um negão imenso, o Tolete, e mais uns quatro armados até os dentes, me impediram que eu entrasse em casa. Acho que decidiram tomar o barraco por causa da vista.

Eu e Dudu nos entreolhamos. Eram notórias a ingerência e a desfaçatez do tráfico em qualquer morro do Rio de Janeiro. Os caras barbarizam moradores em luta contra a polícia e usam a população das favelas como massa de manobra. Como o Estado só sobe o morro para vandalizar e matar com sua polícia corrupta, os traficantes adotam uma função assistencialista. Pagam tratamento de saúde, compram remédios, bancam festa de debutante.... Acabam ganhando a simpatia de muitos moradores, o que lhe é muito conveniente na hora do pega para capar, quando os policiais sobem o morro.

Mas conhecendo a fama de Gilmar, era óbvio que aquela história era cascata!

Era bem mais provável que ele pegou pó para revender e não pagara ao cara do tráfico. A ficha de antecedentes, agravada pela voz oscilante e por aquele olhar 220 volts, nos dizia que ainda havia resquícios de pó do “banho” que dera no traficante na nareba do Lagartixa.

Pobre Anita, pensava eu, enquanto ouvia a versão mentirosa de Gilmar. Ainda bem que ela era idolatrada por muitos. Não teria dificuldade para encontrar um pouso. Só teria que se desfazer daquele traste do filho, um marmanjo de uns 35 anos que nada fazia, além de constranger a mãe.

Soubemos que ela ficou morando um tempo no apartamento do Touro, até se mudar definitivamente para a casa do Faria, quando o irmão se casou e mudou para outro apê com a mulher. O Lagartixa ficou na pista, ou melhor, foi morar na Baixada Fluminense, com uma tia, acho que em Belford Roxo. Faria não quis saber dele morando consigo.

A versão do Lagartixa, como suspeitávamos, era mentira. Ele sequer subiu o morro depois de ter dado um “banho” no Cocô Parrudo, ou melhor, no Tolete, o traficante local.
Um vizinho o avisara no asfalto que ele, Lagartixai, estava jurado de morte e o tráfico tinha invadido a casa onde vivia com Anita e tinha posto fogo em tudo que encontraram pela frente: cama, colchão, mesa, roupas, tudo.

Quem contou isso pra gente foi o Faria, pelo que conseguira filtrar da Anita, que como toda mãe, zelava irracionalmente pela reputação do filho.

A versão de Anita era muito mais amena e favorável ao Lagartixa. Ela estava sempre pronta a perdoar e minimizar os erros do filho. a quem sempre passava a mão na cabeça. E era comum lamentar a falta de sorte de Gilmar, “que nunca tinha tido oportunidade na vida”.

Lagartixa em Ipanema 2.4

Nossa faxineira, mãe do Gilmar, era algo. Negra retinta, devia beirar os 60 anos de idade. Sabe a mãe da “Fran”, “da Família Dinossauro”? Sogra do “Dino” “querida-cheguei”? Pois era a Anita, inclusive nos óculos, no quebradiço da pele – esticada e gasta pelo tempo, só pelo tempo -- e na estatura. Era magra que só e tinha uma vitalidade incomum.

Anita era extremamente batalhadora, gente boníssima, tava sempre de alto astral apesar dos perrengues que passava. Muitos dos dissabores tinham uma única fonte: Gilmar ou Lagartixa, como era conhecido nas internas – internas do nosso apartamento. O cara mais parecia uma iguana, um ser meio ancestral desses que habitam Galapágos. A ilha, no Pacífico equatoriano, foi crucial para Charles Darwin desenvolver sua teoria do Evolucionismo.


Anita era faxineira de Touro e Cozido. Touro era um cara de Barra Mansa, que se tornara o melhor amigo de Cozido ou Faria, companheiro nosso de velhos tempos – estudei com Luís Henrique Faria Marques, na 3ª série primária do Nossa Senhora de Fátima. Era uma escola de madeira que ficava na rua 40 quase esquina com 41, vizinha ao Poeirinha, como era chamado um antigo cinema da Vila. Ambos não emplacaram os anos 80. Foram destruídos. Hoje, um shopping ocupa o espaço onde outrora existia o cineminha e a escola.
Além de gente boa, Anita era bom papo, antenada. E aos 60 anos tinha fôlego de causar inveja em muito garotão: fumava maconha como gente grande e não dava qualquer bandeira, mesmo depois de consumir uma tora.

Mas diferentemente do pessoal de Barra Mansa que morava com o Touro, o próprio e o Faria, que dividia o apartamento da família com o irmão mais velho, nós não a entronizamos como pitonisa. Menos que pelo seu potencial de xamã – eram vastas e invejáveis suas sabedoria popular e tranquilidade diante das adversidades da vida – mais pela intensa rotatividade da nossa república. Nos três anos em que morei lá, nada menos do que 12 pessoas se revezaram no apartamento de dois quartos na Farme de Amoedo, quase esquina com Alberto de Campos. Assim era impossível canonizar alguém, mas beatificada por nós, Anita era.

Nunca dormiu lá em casa, o quartinho da área não tinha espaço para uma cama. Havia um móvel que ocupava metade do quarto e um monte de tralhas que deixávamos lá.

Pois naquela noite de sábado em que só eu e Dudu estávamos no apartamento, quem dormiria no quartinho, largado no chão, em cima de uns edredons foi o Lagartixa.

Lagartixa em Ipanema 1.4

Era 1984 e embora curtido por três anos na Universidade Federal de Viçosa – anos perdidos em termos acadêmicos, mas de grande valia pessoal – mantinha o fôlego de universitário.


Estava no 3º ano de jornalismo na FACHA, uma faculdade em Botafogo. Dividia o apartamento em Ipanema, na Farme de Amoedo, com ...Caraca! Foi tanta gente que passou por lá que não estou bem certo de quem morava lá na época. Bem, acho que Dudu, Rogério, Tasso e Enéas dividiam o apartamento comigo na época.

Mas neste episódio bastava citar o Dudu. Irmão mais novo do Enéas, eu o conhecia desde molequinho mesmo, quando ele tinha 5, 6 anos. Era completamente diferente do irmão, meu grande amigo, com quem eu estudara os três últimos anos no colégio. Chegara ao Rio um ano antes para cursar engenharia na Santa Úrsula, faculdade vizinha ao Palácio Guanabara, em Botafogo e morava com o Diano, amigo de infância dos tempos de rua 40.
Só que, indecisão em pessoa, Dudu desistiu de engenharia e, no ano seguinte, fizera vestibular para duas faculdades diametralmente opostas: arquitetura, na UFRJ, e jornalismo, na PUC. Levou, acho que por ano e meio, as duas faculdades; uma no Fundão, Iha do Governador, outra na Gávea. Simultaneamente a esta maratona, mudou-se para a república do irmão.


Enéas, seis anos mais velho, já há muito tinha traçado seu caminho. Seu pensamento exato, sua precisão, seu pragmatismo o levaram até a engenharia mecânica, primeiro na UCP, em Petrópolis, depois na PUC do Rio. Era seu último ano na faculdade.

Achava Dudu bem parecido comigo. Era hesitante, questionava tudo, era sensível (SENSÍVEL, nada a ver com boiola, mané).

Acho que optara pelo jornalismo um pouco por influência minha... Gostaa do moleque como se fosse meu irmão caçula (eu tinha 23; ele, 18 anos, e nesta época da vida, fim da adolescência, cinco anos davam-me alguma experiência a mais). Havia uma diferença gritante entre nós dois, porém: enquanto Dudu era “pegador” – ficava com as meninas mais cotadas – eu era um fiasco com meninas, cotadas ou não.


Lembro-me bem da chegada do Dudu ao apartamento de Ipanema. Foi num fim de tarde de domingo, no início de março, véspera do primeiro dia de faculdade. Dudu aportara de mala e cuia.





Assim como o Enéas, era bagunceiro toda a vida. E logo na chegada, dera mostra de seu desmazelo, deixando a mala de roupas no chão da sala. Depois de uma breve recepção de boas-vindas, protagonizada por eu e Rogério – os únicos no apartamento àquela hora.

Mais de uma hora se passara e a mala de roupas continuava na sala. Só que agora estava aberta; Dudu havia tirado uma toalha e tomado uma ducha. Aquela hora, todos ao moradores do apartamento estavam por lá. Estávamos todos na sala, quando Dudu foi pendurar sua toalha no boxe do banheiro.

-- Vamos ver o que este moleque trouxe de casa...— disse Enéas, enquanto vasculhava a bolsa do irmão.

Ele foi muito rápido. Jogou todas as roupas no chão. Caíram meias, cuecas, shortes, calças, camisas e por último, para desespero de Dudu, que tinha retornado à sala, uma bíblia.
Enéas foi fundo no escárnio.

-- Olha só, Uma bíblia. Sinto, Dudu, mas isso não vai te ajudar, na faculdade de arquitetura não. Talvez na de jornalismo... – zombou Enéas, narigão vermelho de tanto rir.

Rogério e Tasso acharam graça. Dudu apressou-se em tomar o livro das mãos do Enéas:

-- Imbecil, babaca – disparou Dudu para o irmão, que agora se regojizava da descoberta, que rendeu pelo menos uma semana de zoação para o Enéas em cima do irmão mais novo.

Dudu era fissurado numa gororoba chamada mexido. Consistia num mixer de sobras jogados numa frigideira, misturados. Ia à mesa como gosma, e o cara que comia só continuava vivo se Deus estivesse mesmo muito empenhado. Mas Dudu não só sobrevivia àqueles guisados de sobras como exultava quando encarava a solene missão de recolher restolhos na geladeira e transformá-los numa gororroba incomum.

Naquele fim de semana, eu e Dudu não subimos para Volta Redonda – por motivos distintos. Ele, a pretexto de estudar; eu combinei de sair com amigos da faculdade.

Pois sábado à noite, estávamos os dois em casa, assistindo TV. Dudu estudou a tarde e parte da noite. Eu fora na primeira sessão do cinema Veneza, em Botafogo (lembram-se?).
Acabou o Jornal Nacional e Dudu migrara, rápido, para a cozinha.

-- Erão, vou preparar um mexido. Vamos nessa? – ofereceu, berrando da cozinha para a sala.

-- Tô fora, odeio isso. Você junta todas as porcarias que encontra na geladeira...Argh, que nojo! Prefiro um MacDonalds. Quer ir não? — respondi, engatando um capítulo da novela.

Dudu investigava a geladeira. Um resto de feijão feito na terça anterior, um tanto de arroz, um cadinho de purê de batata, uma espécie de picadinho. Depois de tudo mexido, qual argamassa de cimento, Ulalá!!! Um ovo estrelado por cima! Um senhor bate e entope!

Foi quando ele reparou que a porta dos fundos estava semi-aberta. Dudu apressou em fechar e...

-- Eritos, corre aqui!!! – berrou Dudu da porta dos fundos.

Quando cheguei, Dudu estava estapeando, devagarzinho, um desmaiado Lagartixa, que era como nós chamávamos o filho da Anita, nossa faxineira.

-- Gilmar, acorda, Gilmar! – sacudia Dudu um inerte Lagartixa. -– Eritos, me arruma um pouco d’água.

Lagartixa, um sujeito magro, preto e baixo, jazia junto à porta. Ele desfaleceu quando conseguira abri-la. Ou seja, quando a resistência da porta cedeu, ele desabou, de tão chapado que estava.

Dudu sapecou água nas têmporas, mas nada.
-- Caraca, pelo bafo, o cara entornou legal –- afirmou Dudu, voltando a estapeá-lo, agora com mais força. – Isso é o que dá para perceber com ele apagado. O cara também deve estar cheiradaço.



Depois de mais uma sessão de tapas e de copos d’água na cara, Dudu soltou um muxoxo, fruto da impotência.

--Desisto – disse, enquanto tirava a cabeça do Lagartixa do colo.

Acho que o quicar da cabeça o acordou. O cucoruto em contato com o ladrilho frio da cozinha fizera Gilmar despertar.

Olhos esbugalhados, saliva acumulada nos cantos da boca, Gilmar acordou trôpego, e ansioso tentou levantar-se, e antes de estabacar-se novamente, bateu a cabeça na parede de ladrilho azul fazendo um esporro colossal.
-- Caralho!! -- riu Dudu baixinho para mim. -- Senta numa cadeira, Gilmar.