Estávamos nós, eu, Alexandre e Chico na varanda lá de casa. Um “terremoto” cujo epicentro fora no território do Aral, na Ásia, interrompera uma partida de War regada a licor de menta e “Fanfare for the commom man”, clássico de Aaron Copland, grandiloqüência progressiva típica de Emerson, Lake & Palmer.
“Terremotos” eram comuns nas disputas de War das quais o Chico participava. Sempre que começava a perder, ele impostava a voz e iniciava a ladainha.
-- E atenção, atenção!! O maior tremor de terra de todos os tempos já teve início. O fenômeno vai atingir toda a Terra. Até países nunca antes afetados por este flagelo natural, como o Brasil, desta vez serão chacoalhados de maneira inclemente pelo movimento de placas tectônicas – dizia Chico enquanto virava de cabeça para baixo a América do Norte e misturando, de maneira irreversível, peças de diferentes cores. – Socorro! Socorro! Este prédio está ruuiinnnn........ – continuava ele, destruindo os exércitos que ocupavam o Brasil em meio a risos miúdos e debochados.
A mim só cabiam berros de protesto e promessas de nunca voltar a jogar com ele; enquanto o Alexandre resignava-se a algumas fungadas – o que denotava um certo nervosismo.
E assim estávamos, eu e Alexandre fulos, Chico sem conter o escárnio -- jogo guardado, algumas pecinhas perdidas – na varanda, quando Enéas e André apareceram na Brasília do Capitão, pai do Enéas.
Partiu do André a proposta: porque não ir jogar um futsal no Funcionários? Boa idéia para aquela tarde morna de sábado.
Mas como, se Alex e Chico não eram sócios?
Os Funcionários -- um clube metido a besta de Volta Redonda e que levava este nome porque nascera para a recreação de empregados um pouco mais graduados da Companhia Siderúrgica Nacional (C.S.N.) – ocupava uma imensa área verde, cujas quadras de futebol ficavam no alto de um morro. Para chegar a elas é preciso subir o morro, passando antes pela guarita do clube, onde porteiros checam se quem entra é realmente associado.
Eis que Enéas vem com uma alternativa aparentemente infalível para pôr Alexandre e Chico para dentro sem que o porteiro desconfiasse.
-- Tá resolvido!! – começou ele, com uma convicção que não permitia apartes. – Chico, você e o Alexandre vão na mala do Opalão. É imensa e o porteiro do clube sequer vai desconfiar. Eu dirijo.
O Opalão em questão era o carro do Seu Zé Alfredo, que o Chico frequentemente tomava do pai. Era verde-vômito, ano 1971, muito pouco rodado para seis anos de uso. Estava estacionado em frente à minha casa, na Vila, a poucos metros de onde Enéas parara a Brasília.
Eu pensei o que Chico verbalizou: uma desconfiança no Enéas.
-- Mas você num vai nos sacanear não, né?
-- Enéas, o porta-malas é grande mas somos dois lá dentro. Olha lá... – advertiu Alexandre, resfolegando.
Enéas, com uma seriedade que não permitia desconfiança, jurou que nada faria além de atravessá-los a salvo. Alex e Chico olharam para mim e para o André em busca de fidelidade. Encontraram-na, pois em pouco tempo estávamos os cinco no Opalão rumo ao Funcionários.
Na Rua 21 (Volta Redonda nascera planificada, as ruas eram numeradas) a poucos metros da estradinha que subia para o clube, Chico parou o carro. Ele desceu e entrou, junto com o Alexandre, no porta-malas.
-- Olha o pé na minha cara, Chico -- chamara a atenção Alexandre, enquanto se ajeitava diante de mim, Enéas e André.
Porta-malas fechado, a fisionomia de Enéas mudara: as feições benévolas agora davam lugar as do moleque irreverente que sempre fora.
Ao volante do Opalão, André no banco do carona, eu atrás, Enéas pisou fundo, só diminuindo a velocidade ao cruzar o quebra-molas localizado no portão do Funcionários; o suficiente para que o porteiro identificasse nossas caras e autorizasse nossa entrada.
Quando passamos, comecei a elogiar o plano do Enéas, mas sequer cheguei a completar a frase e Enéas já estava acelerando. Ele subiu o morro ziguezagueando usando as duas pistas -- a de subida e a de descida também.
Do fundo do porta-malas , além do barulho surdo proveniente do choque dos dois com a lataria do carro, berros e xingamentos abafados. Enéas ria a alto e bom som enquanto cantava pneu.
Quando chegamos no estacionamento do morro e pensei que o Enéas pararia num canto qualquer para que os dois saíssem, ele contornou os carros estacionados e desceu em velocidade o morro, no mesmo ziguezague da subida.
Confesso que não estava entendendo nada até o Enéas parar pouco aquém do quebra-molas, descer do Opala quase se vergando de tanto rir e ir até o porteiro:
-- Maurílio, vem cá!! Olha só quem estava tentando entrar de penetra!! – disse, enquanto abria o porta-malas.
Chico foi o primeiro a sair e diante do porteiro percebeu que Enéas o enganara.
-- Caralho! Putaria isso, Enéas – xingava Chico, ainda aturdido com os muitos encontrões que dera em Alexandre.
Alex foi mais direto:
-- Enéas, você é um grande fila da puta!!!
Assistindo a cena, Maurílio ria de se fartar e não se importava mais com a entrada dos dois clandestinos. Mas aí já era tarde: putos dentro da roupa, Alex e Chico foram para casa – eram vizinhos no Aterrado, bairro não muito distante da Vila Santa Cecília; eu, Enéas e André voltamos a pé para a 27, minha rua.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
terça-feira, 27 de outubro de 2009
entre e fique à vontade.
Infância é que nem bunda: todo mundo tem a sua. O tempo é este mesmo: presente do indicativo. Porque infância e adolescência – tempos remotos para um cara beirando os 50 – resistem, quase que intactas, no nosso inconsciente.
Bem, então infância e adolescência são infância e adolescência em qualquer lugar do mundo. Com óbvias diferenças, é claro. A Volta Redonda que me viu moleque não existe mais. Porém, resiste nas minhas lembranças, assim como Viçosa, onde estudei por três anos, como lerão. Ou não.
Quando comentei sobre a idéia de escrever um blog sobre tempos imemoriais, um amigo meu ponderou sabiamente que a internet serve para falar, no mínimo, do presente. Realmente, só existem crônicas do hoje.
Mas querem saber? Não me importa o quão velhuscos sejam meus textos. Importa é que são parte de mim. E no momento, mais pela restrita convivência social do que por nostalgia, resolvi jogar palavras na rede.
Os textos são testemunhos de episódios que envolvem outras pessoas. Acho que são mais/só palatáveis para quem conhece os personagens.
E fiquem inteiramente à vontade para fechar a página antes que termine o parágrafo. “Quanto mais estímulos, menor a percepção”, costuma citar, muito pertinentemente, Kelly, uma de minhas fisioterapeutas, sem negar crédito à fonte original. Entendo perfeitamente quem sequer tenha saco para abrir o e-mail em que convido o povo para dar uma olhadela no blog. Bom, é isso. Se comentarem, legal, respondo a todos.
Beijos e queijos pra todo mundo.
Bem, então infância e adolescência são infância e adolescência em qualquer lugar do mundo. Com óbvias diferenças, é claro. A Volta Redonda que me viu moleque não existe mais. Porém, resiste nas minhas lembranças, assim como Viçosa, onde estudei por três anos, como lerão. Ou não.
Quando comentei sobre a idéia de escrever um blog sobre tempos imemoriais, um amigo meu ponderou sabiamente que a internet serve para falar, no mínimo, do presente. Realmente, só existem crônicas do hoje.
Mas querem saber? Não me importa o quão velhuscos sejam meus textos. Importa é que são parte de mim. E no momento, mais pela restrita convivência social do que por nostalgia, resolvi jogar palavras na rede.
Os textos são testemunhos de episódios que envolvem outras pessoas. Acho que são mais/só palatáveis para quem conhece os personagens.
E fiquem inteiramente à vontade para fechar a página antes que termine o parágrafo. “Quanto mais estímulos, menor a percepção”, costuma citar, muito pertinentemente, Kelly, uma de minhas fisioterapeutas, sem negar crédito à fonte original. Entendo perfeitamente quem sequer tenha saco para abrir o e-mail em que convido o povo para dar uma olhadela no blog. Bom, é isso. Se comentarem, legal, respondo a todos.
Beijos e queijos pra todo mundo.
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