De manhã, logo depois de tomarmos o café, constatamos que o tempo continuava nublado, embora não chovesse àquela hora. Eram pouco mais de nove da manhã quando Claudia ligou pra a prima dela, Leila, que mora em Niterói.
-- Alô? Ana Paula? Tudo bom? Posso falar com a tua mãe? – falava Claudia ao telefone da pousada do.... PAREM!! REBOBINEM A FITA!!! AI, ESTA HISTÓRIA DE FITA DENUNCIA A MINHA IDADE. MEUS FILHOS SEQUER IMAGINAM DO QUE SE TRATA. EM DIALETO “ANTENADO”, DÊEM UM REWIND ATÉ O COMEÇO DO TEXTO.
“Tolices & memórias senis” faria mais justiça como título. Já estava imaginando a gente não encontrando a chave da casa, malocada não num vaso de antúrio, como dissera Leila, mas num xaxim com uma avenca no fundo da varanda.
Bem, acabou que eu perguntei a Claudia e ela me disse que já saímos do Rio cogitando passar na volta, caso o dilúvio se confirmasse, na casa da Leila, em Friburgo. Ninguém da casa da prima da Claudia ia subir a serra, de modos que nós já saímos do Rio com as chaves da casa. Também num pergunto mais nada para a Claudia! Confiar na memória, ainda que caduca, renderia histórias mais originais.
Bem, então ainda era sexta de manhã quando decidimos ir embora da Parada do Krein. No carro do Aurélio, além da Mônica, foram quatro pessoas: Bella, Lu, Denise e Simone. A única menina a ir de ônibus foi a Claudia, para não deixar o “lindo” (eu) ir sozinho para Friburgo, embora Alex, Calmon e André estivessem no mesmo busão. Eu adorei.
Nós, os do ônibus, chegamos em Friburgo por volta de dez e meia da manhã. Quem desceu com o Aurélio deve ter chegado por volta de nove e meia, mas de estômago virado: Aurélio se vangloriava de descer a serra do Mar, passagem obrigatória entre Rio e Volta Redonda, trecho perigoso e cheio de curvas, em inacreditáveis seis minutos. Mas Al estava tranqüilo como há muito não o via. Assim, acho que ele não correu tanto, não.
O bairro onde fica a casa de Leila e Ambrósio é Nova Caledônia. Acho que é isso mesmo: pelo menos era este nome que estava estampado nas garrafas de licor (horrível!!!). E o endereço do fabricante ficava numa ruazinha perto da casa da prima da Claudia.
Era uma casa bem confortável, com uma decoração algo kitsch como convém às casas de veraneio. Mas o que mais nos chamou a atenção foi mesmo o jardim em frente à casa. Era uma área imensa, toda gramada. Tinha até uma piscina Tony, dessas de montar. A casa era circundada por muros altos, o que garantia a intimidade de quem se molhava ali.
Mal tínhamos acabado de chegar, nem bem dividimos quem iria ocupar os quartos (dois) e a sala e pintou uma réstia de sol na varanda. Tratamos de colocar sungas, shorts, biquínis e maiôs e corremos para o jardim. Ficamos umas duas horas desperdiçando água mangueiral, molhando-nos uns aos outros e enchendo a piscina. O solzinho, muito tímido, escafedeu-se passada uma, na melhor das hipóteses, uma hora e meia. Fervorosos adoradores do Sol, ficamos ainda um tempinho flertando com ele – ou melhor, com o que sonhávamos -- enquanto nuvens escuras nublavam o céu. As nuvens foram ficando escuras, escuras, escuras até o céu vir abaixo.
--Caraí – disparou Aurélio, ao ser atingido por grossos pingos da chuva que se seguiu, acompanhada por um vendaval.
Não sobrou ninguém para contar a história
E olha que eu adorava tomar chuva. E acredito
que, pelo menos, outros caras do bando
– Aurélio, Calmon e André - também fossem
fãs de um pé d’água na moleira. Mas aquele
toró era diferente: a água descia do céu
gélida demais, como se passasse por uma
longa e resfriante serpentina de chope. Era
coisa do Dedo de Deus e eu nem ninguém
tínhamos peito para encarar aquele dilúvio
celestial. Assim, tratamos de nos refugiar no
interior da casa: todo mundo na cozinha, pois
estávamos ainda molhados e sujos. Formou-
se uma fila para tomar banho. E a despeito do
cavalheirismo reinante, o primeiro do banho
foi o Alexandre, em quem já se insinuava uma
gripe – os acessos de tosse nada tinham a ver
com a sua renitência em fumar – já que o vício
imbecilisava também André Fábio e Luciana.
-- Também, depois daquele temporal no
Poço Feio (era este o nome, nunca houve
uma cachoeira chamada Véu de Noiva em
Lumiar. Revolucionários os b.g., não?), frio
para caramba, encarar uma fila para tomar
yum banho, ou melhor, um filete de água quente na Casinha do Tio Chico (lembram-se do careca da Família Adams”?), queriam o quê? – resmungava Alex, entre um espirro e outro.
É verdade...Além de todas precariedades
e curiosidades, a Toca do Predador tinha
um único banheiro para todos os hóspedes.
Ainda bem que ele, as meninas e o André
tomaram banho. Porque a água da casa
acabou. Eu, Calmon e Aurélio tivemos que
nos lavar -- as partes, inclusive, devidamente
mascaradas pelas sungas -- na chuva, agora
bendita chuva, mas fria pra cacete.
Todos banhados – uns mais, outros menos
– havia um prazer em estarmos juntos, que
fazer qualquer coisa, desde que juntos, nos
bastava. Ficamos juntos nas redes – alguém, possivelmente o Calmo -- alcunha do Calmon -- tem fotos nossas com uma flor de hibisco na orelha enquanto balançávamos ao sabor do vento.
A não ser quando Bella fazia o papel de
tornado e balançava, de modo inclemente,
quem estava nas redes (eram duas).
Bom, como a chuva nos ilhava e confinava à casa, resolvemos jogar. Enfim serviu para alguma coisa os baralhos que trouxemos do Rio. Jogamos algumas partidas de mau-mau. Até que a Bella teve um rompante entusiasmado e berrou, como alguns dizem ter berrado Newton ao ser atingido pela maçã da Gravidade.
- Dicionário!! Sabem jogar dicionário? Vamos jogar!! Eu explico pra quem não souber -- dizia, enquanto levantava-se até uma estante da sala da Leila, onde jazia -- um dicionário não faz outra coisa senão jazer -- um volumoso Aurélio.
- Massa, é mesmo um jogo maneiro - dizia Alex, como a concordância muda, mas enfática, de Lu, eu e Claudia.
Para quem nunca jogou, uma breve (?) explicação: um a um, os competidores buscam no dicionário vocábulos cuja definição é a mais estranha possível, de modo que os demais participantes achem-na tão esdrúxula que acabam votando num conceito inventado por um cascateiro versado em português. As definições são escritas em pequenos pedaços de papel, lidos por quem escreve o sinônimo correto. Pontuam aqueles cuja mentira é tida como verdade e também o sujeito cuja descrição, correta, engana vários participantes. Entenderam? Se não, joguem e descubram.
Só que para quem jogava com alguma constância como Claudia, eu, Lu, Bella e Alex, por exemplo, contava era ser o mais criativo possível. Fazer rir era bem mais legal e importante do que simplesmente ganhar o jogo. Tem até definições que para mim são definitivas. Como quando alguém sacou uma palavra cujo significado ninguém sequer suspeitava: tembleque. Num sei quando foi, tão pouco de quem foi a genial definição. Pode ter sido na casa em Miguel Pereira do Décio Pinto Aquino Rego, um amigo dileto. Seria genial se o sobrenome de Décio fosse realmente este. Mas não: é um reles Coimbra o mais assíduo leitor e comentarista das besteiras deste blog.
Posso até sido eu a cometer talentosa heresia, mas é mais provável que a pérola tenha sido expelida por Claudia, fã dos personagens do Maurício de Souza. Quando alguém leu "tembleque - expressão usada pelo Cebolinha (o famoso troca-letras criado por Maurício) avisando que sua bicicleta não tinha freio: 'Saiam da frente que esta bicicleta num tem bleque'". Maravilhoso, né?
Pois é, há muito, para nós, o quesito criatividade era o único que levávamos em conta. A graça era encontrar significados tão estapafúrdios quanto hilários.
Mas isso era uma "private joke" entre eu, Claudia, Bella, Alex, Lu mais Ciça e Aloy, amigos da mesma gangue, que, por motivos diversos, não foram à expedição Lumiar. Mas esta piada ficava óbvia depois da segunda rodada; era impossível que os demais participantes achassem que alguém acreditasse naqueles incabíveis, mas extremamente engraçados, “sinônimos”.
Mas daquela vez tínhamos convidados de primeira viagem, como Calmon, André, Denise e Simone, além de Aurélio e Mônica.
Logo no início as pessoas captaram a motivação real do jogo: azucrinar a língua portuguesa. Só que alguém lançou uma palavra cujo significado era uma engrenagem de maquinário gráfico, tipo calandra, e foi imediatamente vetada. Acho que foi a Lu que negou, criando um bordão que nos acompanha desde então: não vale “termo técnico”. Só que disso se valeu Simone, a irmã de Denise. Para ela, qualquer palavra que fugisse um pouco do óbvio, era motivo para esquivar-se e berrar:
-- Termo técnico não vale!!
Era engraçado pacas. Ver um monte de termos vetados, sendo que de técnicos nada tinham. Mas ninguém protestava e deixava Simone vetar o que quisesse. E ria.
Eis que surge a vez de Isabella sugerir a palavra. Ela apenas finge que procura um vocábulo e diz na lata, para uivos entusiasmados:
-- Fimose. A palavra é fimose!
Bella e todos acompanhamos a reação de Simone, que não tardou. Pensou um tiquinho e arrematou.
-- Termo técnico – disse, sendo acompanhada por Bella no segundo vocábulo.
-- Tem razão. Fimose é um termo técnico. Num vale – concordou a Loira Má, com a cara mais lambida do mundo.
A gargalhada foi uníssona. Até Denise, irmã de Simone, chorou de rir. Depois chamou a irmã num canto e deve ter-lhe explicado o que era fimose.
Mas ter sido motivo de escárnio não constrangeu Simone, que continuou a vetar a escolha de palavras com o indefectível “termo técnico” pela noite adentro.
Dia seguinte, o primeiro acordou 6h30m e o último, lá pelas 10h. E, por incrível que pareça, apesar da Bella já estar acordada, o dorminhoco não acordou com o rosto besuntado de pasta de dente.
Ela já fizera das suas com o produto. Também, depois da deixa de TOC (transtorno obcessivo compulsivo) do André...
-- Bem, agora que vamos partilhar todos o mesmo espaço, tenho que confessar uma mania e pedir algo a vocês – começou André, diante do silêncio atencioso de todos. – Eu sou psico com tubo de pasta de dente. Eu só consigo usar apertando do fim para o começo.
E, na hora que os primeiros foram dormir, André levou todos ao banheiro para demostrar o modo correto de usar a pasta dele (existe método certo de usar pasta de dente?): diante de uma audiência que, silenciosa porque estupefata, ele mostrava meticulosamente como tirava a pasta do tubo. Apertava do trecho que era lacrado em direção ao bico de onde saia o dentifrício. Até aí, novidade alguma. O x da questão é que André fazia vigorosa varredura, não deixando rigorosamente nada entre a parte que vinha sendo apertada e o que ainda estava cheio. Sabe um rolo compressor? Pois era assim que André Fábio deixava a pasta de dente dele.
Bem, depois daquela aula sintomática de portador de TOC que André nos dera, entreolhamo-nos, já prevendo o que veríamos dia seguinte.
De manhã, André Fábio foi dos últimos a acordar, pois ficara num papo com Alex e Calmon até às quatro da matina.
Bella acordou cedo e foi a primeira a ir ao banheiro. Depois dela, quem saia do cômodo não escondia o sorriso ou a gargalhada fartos. A pasta de dente Colgate, do André, jazia num canto da pia, completamente disforme. A embalagem, de ferro, estava novamente cheia pela metade. O que vinha sendo amassado sistematicamente, estava agora novamente preenchido à meia- bomba, todo untado de creme dental, como se um ogro tivesse usado a pasta do André. E só a dele estava assim, as outras quatro estavam em decente estado.
Quando André acordou e foi ao banheiro, juntou gente na porta. Ele não sabia o motivo da súbita curiosidade. Vê-lo fazer xixi, ou trocar de roupa no banheiro, não podia ser. Lavar o rosto, escovar os dentes... Tolinho! Foi olhar para sua pasta de dente, outrora tão arrumadinha, e ele entendeu o burburinho. Rindo de sua ingenuidade – não se revela uma paranóia por organização numa viagem de quatro dias ao lado de gente que mal se conhece – André foi motivo de piada por todo sábado. Mas suportou com galhardia e fair-play toda a gozação. Porém, não se viu mais sua pasta entre as que serviam à rapaziada.
Embora estivesse frio pacas, resolvemos xeretar a noite de Tere. Acabamos dando com os costados numa boate cuja voltagem parecia bacana. A Lu já chegou deslumbrada com “Last train home”, música do grupo do guitarrista Pat Metheny, cujo toca-fitas do carro do Aurélio despejava sobre afortunados que tiveram a sorte de irem no Passat vermelho até o centro – acho que além de Luciana, foram, só para checar a música, André e Calmon.
Mas o gosto musical de Aurélio estava longe de pautar-se pela excelência. Ao lado do jazz moderno e brilhante de Pat Metheny e Lile Mays, desfilavam porcarias gravadas de discos coloridos (tinha LPs laranja, vermelho, amarelo) importados, caríssimos que Al comprava na extinta Billboard ou na Modern Sound, mecas musicais vizinhas na Barata Ribeiro, quase esquina com Santa Clara, em Copacabana. Aurélio sonhara ser Dj na sede social do Clube dos Funcionários, e aquelas porcarias coloridas continham o suprassumo do corolário dos Djs: música bate-estacas e imbecilizante.
Mas fiquemos só no bom gosto musical de Al. Lu chegou na boate fascinada por Pat Metheny; acho que não tanto quanto Sônia Braga, com quem ele foi casado (cultura totalmente inútil), mas ainda assim fascinada.
Não tenho muitas lembranças daquela noite. Só que nós bebemos um pouquinho e nos esbaldamos na pista, algo cheia para o frio que fazia. Tenho uma vaga lembrança de que rolou uma porrada feia e, eu, cheio de sentimentos de “paz e amor”, já me encaminhava para separar a briga quando Claudia me puxou e me deu um esporro:
-- Tá maluco, lindo? Vai é se matar. Já viu o tamanho dos caras?
Nisso começaram a voar garrafas de cerveja entre os dois grupos de brigões e fomos embora. Todo mundo a pé, até Mônica. Aurélio levou rapidamente o carro para casa e juntou-se a nós. Fazia frio, lgo só demas estávamos bem agasalhados, e estávamos voltando para casa.
Chegamos, comemos algo só de gula. Depois jogamos algumas partidas de mau-mau mais uma de War, que eu estava ganhando até o povo encher o saco e misturar os exércitos. Isso já era umas três da manhã, quando fomos dormir.
No domingo, à tarde, voltamos para casa. Mas antes, almoçamos num ótimo restaurante, especializado em comida alemã. Desde que chegamos a Lumiar, tínhamos isso em mente: fazer uma super-refeição num lugar bacanão. O nome do restaurante era Burgomestre. A comida era ótima – e o banheiro também. Como faltava água na casa da Leila desde a manhã de sexta, evitávamos de fazer nossas necessidades –tanto número 1 quanto número 2 - nos dois banheiros da casa, o social e o de empregada.
Evitávamos usar ou o ambiente ficaria irrespirável. Ninguém podia fazer ôcoc – leia de trás pra frente. Os meninos evitavam fazer xixi dentro de casa – era um entra-e-sai rumo ao jardim nas madrugadas que passávamos insones. Só quem tinha licença para urinar as moças. Não fazia sentido exigir que elas também procurassem uma moitinha quando precisassem se aliviar. Sempre que saíamos, procurávamos usar banheiros de bares e valemo-nos até os sanitários da boate que fomos, na noite de sábado.
Mas por falta de limpeza e absoluta falta de paz não consumíamos o segundo ato desde que deixáramos o Retiro dos Artistas de Filmes Trashes, em Lumiar, na manhã de sexta-feira. Ou seja, passáramos o fim de semana sem mandar missivas para Migué (inventei esta agora, diante de outras racistas, politicamente incorretas e de péssimo – ainda que engraçado –gosto).
Quando nos deparamos com o Burgomestre, com suas mesas cobertas de toalhas de linho, e belo decór houve uma precipitação incomum aos banheiros. Mais ou menos metade de nós resistiu à mesa, iniciando os trabalhos de pedidos para o garçom. Um senhor boa-praça, que se não entendia aquela súbita corrida de revezamento aos banheiros, ao menos teve uma paciência de Jó para voltar seguidas vezes à mesa para anotar todos os pedidos. Somente uns quatro valentes deixaram para ir depois da refeição.
-- Estou guardando munição – explicava Alex.
Comemos de tudo: kassler com chucrute, salsichão com salada de batatas, almôndegas...Rolou até um joelho de porco. Comíamos comunitariamente: cada um garfava o prato do outro. Pastávamos desenfreadamente, arrematando cada prato com um papo ótimo e um fantástico pão preto. Consumíamos também várias tulipas de chope claro e escuro. E para fechar a tarde, pedimos torta de maçã com creme e licor (Drambuí, Frangélico e Amarula).
Ah, como foi fantástico o almoço e balsâmico o banheiro no/do Burgomestre. Fechamos com chave de ouro um feriado que tinha tudo para ser monótono. Além de termos deixado um monte de burgomestrezinhos para’trás.
A volta não foi concorrida, como em feriados prolongados. Saímos da rodoviária por volta das cinco da tarde e antes das oito estávamos em casa.
Fizemos de um inusitado encontro de pessoas que não se conheciam, uma sagração à amizade. Rimos muito, passamos perengues mil e temos muitas histórias para contar. Estas foram só algumas.
domingo, 31 de outubro de 2010
domingo, 20 de junho de 2010
Lumiar e polenguinho 3.4
Pegamos o ônibus numa cidade desolada. A chuva transformara aquele ponto turístico em reduto dos bichos-grilos nativos. Rodamos alguns quilômetros numa estrada de barro com o coletivo fazendo perigosas evoluções e sambando “nas curvas” (favor caprichar no dialeto chiado carioquês).
Desembarcamos uns 40 minutos depois noutro ponto turístico igualmente desolado. Ficamos em São Pedro da Serra o tempo que o ônibus ficou por lá: uns 20 minutos. Tempo mais do que suficiente para conhecer todo o “centro nervoso” da cidadezinha. Que entrara em pane com aquele dilúvio. Tanto que tudo que eu imaginava ser uma loja, estava com as portas cerradas. Com exceção de uma birosca – misto de quitanda e armazém – e uma padaria, cujo néon do l do Real, estava apagado. Embora fossem menos de oito da noite, os caras da padaria já iam fechar a Confeitaria Rea -- como se lia, sem o l. Tratamos de comprar alguns víveres, já que frigobar é luxo desnecessário na ex-talagem do sr. Gólum Klein.
Eis que estranhamente ouvimos música. Vinha do único restaurante aberto. Era chique bem, e não havia viv’alma nas mesas. Só um sujeito que parecia o dono, pelo jeito que se dirigia aos garçons, se embebedava solitário com vinho rosé (blergh! Imagina a dor de cabeça do cara, ao acordar, no dia seguinte...).
O motorista do ônibus veio avisar-nos que aquela era a última viagem de retorno a Lumiar. Até conjecturamos passar a noite ali, mas aquele coaxar de sapo fez aumentar significativamente o frio.
Então pegamos o último ita em São Pedro da Serra e fomos com Klein ficar (Adeus meu pai, minha mãe/Adeus Belém do Pará... Foi só uma piadinha com o clássico “Ita do Norte”. Entenderam não? Na próxima vez, eu desenho, dããããããã....). Foi na primeira curva sacolejante que o Aurélio (não vou descrevê-lo, já o fiz nos posts de “Carnaval em Angra”) resolveu inventar um treco doido, ao que ele batizou “surfe de ônibus”. Consistia em ficar de pé no corredor do ônibus e tentar manter-se de pé sem se segurar em nada.
-- Vamos lá, Erão. É divertido – dizia ele. – Vamos, gente.
Calmon, um sujeito normalmente fechado, foi o primeiro a aderir à nova modalidade aureliana. André, Alex, Bella, Lu e eu tratamos de também tentar domar aqueles sacolejos na estrada esburacada, enlameada e cheia de curvas.
Somente Claudia -- sabiamente, pois tem os dois lados esquerdos – Mônica – a brincadeira foi idéia do Aurélio, ah, me poupem! – e as irmãs Denise e Simone – tanto por timidez quanto por medo de se estabacarem – não participaram do surfe no circular Lumiar-São Pedro.
O ônibus vinha vazio – só recolhera um capiau no caminho, que se entrincheirara no primeiro banco. Então era nosso o rinque de patinação. Depois de muito quase metermos o nariz naquele chão infecto e barrento do ônibus – eu, André, Calmon e Bella cansamos e nos sentamos, cada qual num banco. Eis que um dos que continuaram a “surfar” – acho que foi a Luciana – tomou um caixote e para não arrebentar os quartos -- e os quintos também – caiu sentada no meu colo. Ao que eu imediatamente retruquei, para espanto geral:
--Ai!! Meu polenguinho!!
Lu foi a primeira a verbalizar o pensamento geral.
-- Ué, eu caio no seu colo e você reclama do seu polenguinho? Vem cá, Claudia, como é namorar um queijeiro? – observou ela, antes de gargalhar e encontrar eco em todo mundo, incluído aí o trocador.
Alex e Aurélio também tinham cessado o “surfe rodoviário” e estavam sentados.
Nisso, eu me levantei e tirei do bolso direito da calça – usava calça de algodão verde escuro, com dois longos bolsos na frente – dois queijinhos Polenguinho, devida e irremediavelmente amarfanhados pela buzanfa ( é com s?) da Luciana.
-- Ainda bem que a Lu caiu em cima do lado direito – disse, sacando do bolso esquerdo, dois chocolates e dois doces-de-leite, que vem numa embalagem de plástico e você morde uma extremidade e vai sugando o doce.
Seria mais ambíguo e muito melhor para a minha imagem se, ao ser buzanfado (pergunta que não quer calar: é com s?) pela Lu do lado esquerdo, alertasse:
-- Ai!! Meu doce de leite!!
Mas seria melhor só para a minha imagem porque imagina o lodaçal que ia ficar minha calça, caso algum dos sachezinhos de doce de leite estourasse. Ia ser mais ou menos como o vazamento de silicone dos peitos da Vera Fischer, coisa que aconteceu há uns cinco anos (mas que me calou fundo n’alma: volta e meia eu, ainda hoje, imagino aquela mulher que já foi uma diva, com os seios vazando).
Eu sei que foi (é) uma encarnação interminável. No dia seguinte, a primeira coisa que Isabella pergunta à mesa no café da manhã (ou a pão e água, como vai insistir Luciana) a Claudia, depois de um protocolar bom dia foi:
-- E o polenguinho do Eros, Claudia? Sobreviveu? Tá tudo bem?
E aguente gracejos. Só quem não zoou comigo foram Denise e Simone. Até a Claudia fez piada...
Mas voltemos à noite anterior, que ainda não acabou. Mais alguns solavancos e estávamos de volta a Lumiar. Frio e úmido pra cacete. Mas fazer o quê? A espelunca de Chucky, o Brinquedo Assassino, não tinha área comum que abrigasse seis pessoas confortavelmente, imagina 11. Apesar da bosta do tempo, insistimos e demos uma andada até o coreto – toda aldeia tem um. Claudia tinha levado um baralho, pois já imaginávamos que seria ruim de encontrarmos lazer naquela terra. Mas o chão do coreto estava imundo e começava a chegar um povo ainda mais fedido que os bichos-grilos locais. Quando apareceu uma mulher com uma garrafa de Itapipoca, que ela sorvia pelo gargalo mesmo, fomos embora.
-- É o melhor que a gente faz, galera – dizia Aurélio ajudando Lu a descer os poucos degraus do coreto, como bom cavalheiro que quem o conhece sabe que ele não é.
-- Pô, mas ainda não são dez horas...Num tô com sono algum – ponderou Calmon, enquanto nos encaminhávamos para a Gruta do Gólum.
-- Vamos ficar no nosso quarto ou no de Aurélio e Mônica. São os maiores e se todo mundo se apertar...— disse eu, quando estávamos quase chegando à pocilga, digo pousada.
-- Podem nos incluir fora dessa. Tá frio pra burro e a gente vai é ficar debaixo das cobertas no nosso quarto – disse Denise, diante de Simone, que balançava a cabeça assertivamente, partilhando da opinião da irmã mais velha.
Eram dez e cinco quando cruzamos a porta da Pousada do Alien. Fomos para o quarto onde eu e Claudia estávamos hospedados depois de cruzarmos com seu Klein, dona Klein e Kleinzinho diante de uma televisão... ligada!! Caramba, até alienígenas assistem novela!!!
-- Boa noite – saudou-nos Klein.
-- Boa noite – respondemos em uníssono.
Já no nosso quarto, sem a presença de Denise e Simone, trocamos o baralho por uma assembléia. Dúvida: o que fazer?
-- Dou força para a gente ir embora daqui. Vamos de volta para o Rio -- sugeriu Aurélio, então morador de Volta Redonda, ainda livre dos “porra, meu” admitidos em seu léxico diário depois de duas décadas morando em São Paulo, capital.
-- PÕ, mas se a gente saiu de lá em busca de tranquilidade – ressaltou Alex.
Sei que depois de muitas deliberações depois chegamos à seguinte decisão: de manhã cedo, Claudia ligaria para Leila, prima dela, embora minha mulher regulasse em idade com as filhas dela, as três Anas: Cristina, Paula e Beatriz. Eles (não citei o Ambrósio, marido da Leila e pai das Anas) tinham uma casa em Friburgo, que talvez estivesse vazia. Naquela época não tinha celular – uns quatro anos mais tarde, tive acesso aquela máquina revolucionária na cobertura de um show na Enseada de Botafogo. Era um tijolão imenso e eu não conseguia passar a cobertura do show pelo celular e tive que recorrer a um orelhão para passar a matéria. Ainda ficamos conversando um pouco no quarto – Lu também já tinha ido dormir. Deu onze e 15 e decidimos ir dormir. Calmon ainda estava sem sono. Pois que contasse carneirinhos (na época já namorava a Kátia Carneiro, hoje mulher e mãe de seu casal de filhos) ou papeasse só com o André no quarto.
A princípio, não entendi a pressa de Bella em ir para o quarto que dividia com Alex e Lu - àquela altura do sono dando buzanfadas (é com s?) em Morfeu. Logo que todos se despediram e foram para seus quartos e Alexandre encontrou a porta do quarto fechada, começou a fazer sentido a pressa da Loira Má.
Os Quein já tinham se recolhido e o silêncio, imperativo na Toca dos Quem, reinava absoluto. Só, rarefeito, ouvia-se o sussurar de Alex diante da porta do quarto trancada:
-- Bella! Bella! Abre a porta. Abre logo, que tá um gelo aqui fora.
Nisso, aconteceu uma sucessão de murros e pontapés na porta. E de dentro do quarto, num fiapo de voz fingido, Isabella pedia comedimento ao Alex:
-- Por favor, Alex. Não faz barulho. Já são mais de 11 horas.
Eu e Claudia chegamos a deixar nosso quarto, atraídos pelo barulhão.
-- O que houve, Alex? Que esporro é este? – perguntei.
Mas Alexandre nem precisou responder.
Uma nova sucessão de murros e pontapés chacoalhou a porta fazendo de novo barulho alto. Era Bella que esmurrava a porta, enquanto Alex fazia cara de resignação.
-- Pôxa, Alex. Já te falei pra num fazer barulho, esta é uma pousada de família – dizia Bella, com voz pausada e traindo-se para quem escutasse suas ponderações, deixando escapar uma gargalhada entre as duas últimas palavras pronunciadas.
Alex, da resignação, passou ao desespero.
-- Isabella, pelo amor de Deus, abre esta p#@@% de porta – falando um tiquinho mais alto.
Apesar do palavrão proferido entre os dentes, ainda era grande o medo de que Jason aparecesse com sua motoserra gritando “que era proibido fazer barulho depois das dez e meia, caralho!!!”.
Acabou que o cara não emergiu das sombras. Também, além dele, mulher e filhos, só nossa desavisada turma estava na pousada. E pouco depois, Bella abriu a porta. Ela só queria que Alex -- ou Lu, calhasse entrar no quarto depois dela – ficasse desesperado com a situação; não pretendia obrigá-lo a uma noite gélida, depois daquelas roubadas todas, nem vê-lo retalhado pelas garras metálicas de Freddie Kruger. Objetivo cumprido, porta aberta.
Desembarcamos uns 40 minutos depois noutro ponto turístico igualmente desolado. Ficamos em São Pedro da Serra o tempo que o ônibus ficou por lá: uns 20 minutos. Tempo mais do que suficiente para conhecer todo o “centro nervoso” da cidadezinha. Que entrara em pane com aquele dilúvio. Tanto que tudo que eu imaginava ser uma loja, estava com as portas cerradas. Com exceção de uma birosca – misto de quitanda e armazém – e uma padaria, cujo néon do l do Real, estava apagado. Embora fossem menos de oito da noite, os caras da padaria já iam fechar a Confeitaria Rea -- como se lia, sem o l. Tratamos de comprar alguns víveres, já que frigobar é luxo desnecessário na ex-talagem do sr. Gólum Klein.
Eis que estranhamente ouvimos música. Vinha do único restaurante aberto. Era chique bem, e não havia viv’alma nas mesas. Só um sujeito que parecia o dono, pelo jeito que se dirigia aos garçons, se embebedava solitário com vinho rosé (blergh! Imagina a dor de cabeça do cara, ao acordar, no dia seguinte...).
O motorista do ônibus veio avisar-nos que aquela era a última viagem de retorno a Lumiar. Até conjecturamos passar a noite ali, mas aquele coaxar de sapo fez aumentar significativamente o frio.
Então pegamos o último ita em São Pedro da Serra e fomos com Klein ficar (Adeus meu pai, minha mãe/Adeus Belém do Pará... Foi só uma piadinha com o clássico “Ita do Norte”. Entenderam não? Na próxima vez, eu desenho, dããããããã....). Foi na primeira curva sacolejante que o Aurélio (não vou descrevê-lo, já o fiz nos posts de “Carnaval em Angra”) resolveu inventar um treco doido, ao que ele batizou “surfe de ônibus”. Consistia em ficar de pé no corredor do ônibus e tentar manter-se de pé sem se segurar em nada.
-- Vamos lá, Erão. É divertido – dizia ele. – Vamos, gente.
Calmon, um sujeito normalmente fechado, foi o primeiro a aderir à nova modalidade aureliana. André, Alex, Bella, Lu e eu tratamos de também tentar domar aqueles sacolejos na estrada esburacada, enlameada e cheia de curvas.
Somente Claudia -- sabiamente, pois tem os dois lados esquerdos – Mônica – a brincadeira foi idéia do Aurélio, ah, me poupem! – e as irmãs Denise e Simone – tanto por timidez quanto por medo de se estabacarem – não participaram do surfe no circular Lumiar-São Pedro.
O ônibus vinha vazio – só recolhera um capiau no caminho, que se entrincheirara no primeiro banco. Então era nosso o rinque de patinação. Depois de muito quase metermos o nariz naquele chão infecto e barrento do ônibus – eu, André, Calmon e Bella cansamos e nos sentamos, cada qual num banco. Eis que um dos que continuaram a “surfar” – acho que foi a Luciana – tomou um caixote e para não arrebentar os quartos -- e os quintos também – caiu sentada no meu colo. Ao que eu imediatamente retruquei, para espanto geral:
--Ai!! Meu polenguinho!!
Lu foi a primeira a verbalizar o pensamento geral.
-- Ué, eu caio no seu colo e você reclama do seu polenguinho? Vem cá, Claudia, como é namorar um queijeiro? – observou ela, antes de gargalhar e encontrar eco em todo mundo, incluído aí o trocador.
Alex e Aurélio também tinham cessado o “surfe rodoviário” e estavam sentados.
Nisso, eu me levantei e tirei do bolso direito da calça – usava calça de algodão verde escuro, com dois longos bolsos na frente – dois queijinhos Polenguinho, devida e irremediavelmente amarfanhados pela buzanfa ( é com s?) da Luciana.
-- Ainda bem que a Lu caiu em cima do lado direito – disse, sacando do bolso esquerdo, dois chocolates e dois doces-de-leite, que vem numa embalagem de plástico e você morde uma extremidade e vai sugando o doce.
Seria mais ambíguo e muito melhor para a minha imagem se, ao ser buzanfado (pergunta que não quer calar: é com s?) pela Lu do lado esquerdo, alertasse:
-- Ai!! Meu doce de leite!!
Mas seria melhor só para a minha imagem porque imagina o lodaçal que ia ficar minha calça, caso algum dos sachezinhos de doce de leite estourasse. Ia ser mais ou menos como o vazamento de silicone dos peitos da Vera Fischer, coisa que aconteceu há uns cinco anos (mas que me calou fundo n’alma: volta e meia eu, ainda hoje, imagino aquela mulher que já foi uma diva, com os seios vazando).
Eu sei que foi (é) uma encarnação interminável. No dia seguinte, a primeira coisa que Isabella pergunta à mesa no café da manhã (ou a pão e água, como vai insistir Luciana) a Claudia, depois de um protocolar bom dia foi:
-- E o polenguinho do Eros, Claudia? Sobreviveu? Tá tudo bem?
E aguente gracejos. Só quem não zoou comigo foram Denise e Simone. Até a Claudia fez piada...
Mas voltemos à noite anterior, que ainda não acabou. Mais alguns solavancos e estávamos de volta a Lumiar. Frio e úmido pra cacete. Mas fazer o quê? A espelunca de Chucky, o Brinquedo Assassino, não tinha área comum que abrigasse seis pessoas confortavelmente, imagina 11. Apesar da bosta do tempo, insistimos e demos uma andada até o coreto – toda aldeia tem um. Claudia tinha levado um baralho, pois já imaginávamos que seria ruim de encontrarmos lazer naquela terra. Mas o chão do coreto estava imundo e começava a chegar um povo ainda mais fedido que os bichos-grilos locais. Quando apareceu uma mulher com uma garrafa de Itapipoca, que ela sorvia pelo gargalo mesmo, fomos embora.
-- É o melhor que a gente faz, galera – dizia Aurélio ajudando Lu a descer os poucos degraus do coreto, como bom cavalheiro que quem o conhece sabe que ele não é.
-- Pô, mas ainda não são dez horas...Num tô com sono algum – ponderou Calmon, enquanto nos encaminhávamos para a Gruta do Gólum.
-- Vamos ficar no nosso quarto ou no de Aurélio e Mônica. São os maiores e se todo mundo se apertar...— disse eu, quando estávamos quase chegando à pocilga, digo pousada.
-- Podem nos incluir fora dessa. Tá frio pra burro e a gente vai é ficar debaixo das cobertas no nosso quarto – disse Denise, diante de Simone, que balançava a cabeça assertivamente, partilhando da opinião da irmã mais velha.
Eram dez e cinco quando cruzamos a porta da Pousada do Alien. Fomos para o quarto onde eu e Claudia estávamos hospedados depois de cruzarmos com seu Klein, dona Klein e Kleinzinho diante de uma televisão... ligada!! Caramba, até alienígenas assistem novela!!!
-- Boa noite – saudou-nos Klein.
-- Boa noite – respondemos em uníssono.
Já no nosso quarto, sem a presença de Denise e Simone, trocamos o baralho por uma assembléia. Dúvida: o que fazer?
-- Dou força para a gente ir embora daqui. Vamos de volta para o Rio -- sugeriu Aurélio, então morador de Volta Redonda, ainda livre dos “porra, meu” admitidos em seu léxico diário depois de duas décadas morando em São Paulo, capital.
-- PÕ, mas se a gente saiu de lá em busca de tranquilidade – ressaltou Alex.
Sei que depois de muitas deliberações depois chegamos à seguinte decisão: de manhã cedo, Claudia ligaria para Leila, prima dela, embora minha mulher regulasse em idade com as filhas dela, as três Anas: Cristina, Paula e Beatriz. Eles (não citei o Ambrósio, marido da Leila e pai das Anas) tinham uma casa em Friburgo, que talvez estivesse vazia. Naquela época não tinha celular – uns quatro anos mais tarde, tive acesso aquela máquina revolucionária na cobertura de um show na Enseada de Botafogo. Era um tijolão imenso e eu não conseguia passar a cobertura do show pelo celular e tive que recorrer a um orelhão para passar a matéria. Ainda ficamos conversando um pouco no quarto – Lu também já tinha ido dormir. Deu onze e 15 e decidimos ir dormir. Calmon ainda estava sem sono. Pois que contasse carneirinhos (na época já namorava a Kátia Carneiro, hoje mulher e mãe de seu casal de filhos) ou papeasse só com o André no quarto.
A princípio, não entendi a pressa de Bella em ir para o quarto que dividia com Alex e Lu - àquela altura do sono dando buzanfadas (é com s?) em Morfeu. Logo que todos se despediram e foram para seus quartos e Alexandre encontrou a porta do quarto fechada, começou a fazer sentido a pressa da Loira Má.
Os Quein já tinham se recolhido e o silêncio, imperativo na Toca dos Quem, reinava absoluto. Só, rarefeito, ouvia-se o sussurar de Alex diante da porta do quarto trancada:
-- Bella! Bella! Abre a porta. Abre logo, que tá um gelo aqui fora.
Nisso, aconteceu uma sucessão de murros e pontapés na porta. E de dentro do quarto, num fiapo de voz fingido, Isabella pedia comedimento ao Alex:
-- Por favor, Alex. Não faz barulho. Já são mais de 11 horas.
Eu e Claudia chegamos a deixar nosso quarto, atraídos pelo barulhão.
-- O que houve, Alex? Que esporro é este? – perguntei.
Mas Alexandre nem precisou responder.
Uma nova sucessão de murros e pontapés chacoalhou a porta fazendo de novo barulho alto. Era Bella que esmurrava a porta, enquanto Alex fazia cara de resignação.
-- Pôxa, Alex. Já te falei pra num fazer barulho, esta é uma pousada de família – dizia Bella, com voz pausada e traindo-se para quem escutasse suas ponderações, deixando escapar uma gargalhada entre as duas últimas palavras pronunciadas.
Alex, da resignação, passou ao desespero.
-- Isabella, pelo amor de Deus, abre esta p#@@% de porta – falando um tiquinho mais alto.
Apesar do palavrão proferido entre os dentes, ainda era grande o medo de que Jason aparecesse com sua motoserra gritando “que era proibido fazer barulho depois das dez e meia, caralho!!!”.
Acabou que o cara não emergiu das sombras. Também, além dele, mulher e filhos, só nossa desavisada turma estava na pousada. E pouco depois, Bella abriu a porta. Ela só queria que Alex -- ou Lu, calhasse entrar no quarto depois dela – ficasse desesperado com a situação; não pretendia obrigá-lo a uma noite gélida, depois daquelas roubadas todas, nem vê-lo retalhado pelas garras metálicas de Freddie Kruger. Objetivo cumprido, porta aberta.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Lumiar e polenguinho 2.4
Voltemos a Lumiar e a pousada do Klein. Acho que a cidade não estava tão cheia porque urbanos, mais espertos do que nós, confiaram nos palpites meteorológicos (naquele tempo, mais do que hoje, uma loteria). A meteorologia previa uma Semana Santa chuvosa. Mas um solzinho, ainda que tímido, na manhã de quinta (chegáramos quarta à noite), nos encheu de esperança. Fomos todos para uma cachoeira a pé -- não era muito distante da pousada -- depois de tomarmos o café da manhã. Afinal, quando se é jovem há uma ânsia de tudo aproveitar, e entre nós o que não faltava era ansiedade por um mergulho na gélida poça feita pela cascata. Mas bastou chegarmos ao poção para cair um dilúvio. Até dava para ficar, não fosse o frio cavernoso que fazia. Era de se esperar que a chuva gelada tornasse quentes as águas vindas do Véu de Noiva (acabei de batizar, toda cidade turística tem uma cachoeira com este nome). Qual o quê! Era glacial o frio fora ou dentro d’água.
Assim não restou outra saída senão batermos em retirada o mais depressa possível. Aurélio corria como um louco na frente de todos. Voltara pilotando o Passat, resgatando todo mundo daquele aguaceiro. Numa primeira levou Mônica, Claudia, Calmon e André mais as irmãs Denise – era diagramadora de um jornal de cinema no qual a Claudia trabalhara antes de ir para o Globo -- e Simone, outro subgrupo.
A Denise conhecia algumas pessoas desse Dream Team – ou Nightmare Team, mais apropriado - mas a irmã só conhecia, e mesmo assim, mal, a Claudia. As duas eram bem tímidas e quietinhas.
Na segunda leva, Aurélio recolheu quem ainda estava debaixo d’água: eu, Luciana, Alexandre e Isabella. Os três já tinham estudado com a Claudia. Alex fizera o 2º ano do Segundo Grau (hoje ensino médio) e o cursinho pré-vestibular com ela no extinto Colégio Impacto, na Rua Xavier da Silveira, onde hoje funciona um apart-hotel. Luciana e Isabella estudaram Comunicação com Claudia. Lu optou por publicidade e abandonou o curso. Já Bella concluiu jornalismo com minha mulher, mas optou pela pesquisa, enquanto Claudia se rendeu ao jornalismo, primeiro o impresso, depois o televisivo e atualmente o on-line.
Lu é uma das pessoas mais agradáveis que eu conheço, dona de um humor ágil e inteligentíssimo. É madrinha do Caio, meu filho mais novo, e botafoguense de carteirinha como nós, aqui em casa. Meus filhos são fascinados por ela. É uma genial contadora de história. Acho que ela e o Zamba, vulgo Gilberto, irmão do André, estão comendo mosca. Dariam dois ótimos comediantes – e é muito mais difícil arrancar uma gargalhada do que uma lágrima.
Já Isabella era diabólica – no passado mesmo, porque agora, deu uma acalmada. Viajar com a Bella significava disposição para aturar toda sorte de avarias no percurso da civilidade. Acordar untado de pasta de dente ou andar um longo trecho com um pedregulho imenso na bolsa eram sinônimos de que Bella estava por perto. Poderia listar uma infinidade de qualidades de Isabella, mas o objetivo desse texto é acentuar seu lado Loira Má. É madrinha de consagração do João.
O terceiro vértice deste triângulo de amigos é o Alexandre, marido da Ciça, mas que na época nem imaginava que se tornaria Alexandre Mendes. Apresentado ao grupo da Eco pela Claudia, foi imediatamente aceito e passou ser um comunicólogo desde criancinha. Alex é a tranqüilidade em pessoa. Nunca vi o cara puto, nunca. E dá papo para todo mundo, até pros chatos. Se ele tem ansiedade – um dos grandes males contemporâneos – não demonstra; tira de letra todo e qualquer embaraço. É padrinho do Caio e conhecido lá em casa como “Tio Pangaré”.
Pois Bella e Alex foram os últimos a serem resgatados por Aurélio. Como não havia o que fazer – não tinha onde se proteger da chuva – vinham ensopados debaixo de uma toalha, tiritando de frio. Não preciso me estender ao dizer que o carro do Aurélio ficou um melê com barro até o teto. E o toró que caía era gélido e assim ficou o clima o resto do dia.
De volta à estalagem do Pônei Cansado (como era mesmo o nome do lugar onde os hobbits de “O senhor dos anéis” encontram pela primeira vez Aragorn (Viggo Mortensen) e por ele são salvos de serem mortos? Pois o Klein era a cara e a careca, mais a careca, do Gólum) tomamos banho quente – morno ou gelado mesmo, conforme reza a Lu. E como não tínhamos como sair com aquele pé d’água, ficamos no Klein, cuja diária só incluía café da manhã, traçando uns biscoitinhos muito dos muquiranas até umas quatro da tarde, quando parou de chover.
Mas continuava frio pra chuchu. Sei que fomos a um restaurante e fizemos um lunner (corruptela inventada agora para designar, em inglês, duas refeições em uma, no caso o almoço e o jantar. Num tem o brunch? Então pode ter o lunner). Sem poder usufruir das belezas naturais de Lumiar e não tendo como permanecer na pousada do Klein (a Lu me corrige e diz que a estalagem era um moquifo só), pois o silêncio era imperativo a partir das dez e meia da noite, fomos, todos, de ônibus até São Pedro da Serra, uma cidadezinha um pouco mais acima de Lumiar.
Assim não restou outra saída senão batermos em retirada o mais depressa possível. Aurélio corria como um louco na frente de todos. Voltara pilotando o Passat, resgatando todo mundo daquele aguaceiro. Numa primeira levou Mônica, Claudia, Calmon e André mais as irmãs Denise – era diagramadora de um jornal de cinema no qual a Claudia trabalhara antes de ir para o Globo -- e Simone, outro subgrupo.
A Denise conhecia algumas pessoas desse Dream Team – ou Nightmare Team, mais apropriado - mas a irmã só conhecia, e mesmo assim, mal, a Claudia. As duas eram bem tímidas e quietinhas.
Na segunda leva, Aurélio recolheu quem ainda estava debaixo d’água: eu, Luciana, Alexandre e Isabella. Os três já tinham estudado com a Claudia. Alex fizera o 2º ano do Segundo Grau (hoje ensino médio) e o cursinho pré-vestibular com ela no extinto Colégio Impacto, na Rua Xavier da Silveira, onde hoje funciona um apart-hotel. Luciana e Isabella estudaram Comunicação com Claudia. Lu optou por publicidade e abandonou o curso. Já Bella concluiu jornalismo com minha mulher, mas optou pela pesquisa, enquanto Claudia se rendeu ao jornalismo, primeiro o impresso, depois o televisivo e atualmente o on-line.
Lu é uma das pessoas mais agradáveis que eu conheço, dona de um humor ágil e inteligentíssimo. É madrinha do Caio, meu filho mais novo, e botafoguense de carteirinha como nós, aqui em casa. Meus filhos são fascinados por ela. É uma genial contadora de história. Acho que ela e o Zamba, vulgo Gilberto, irmão do André, estão comendo mosca. Dariam dois ótimos comediantes – e é muito mais difícil arrancar uma gargalhada do que uma lágrima.
Já Isabella era diabólica – no passado mesmo, porque agora, deu uma acalmada. Viajar com a Bella significava disposição para aturar toda sorte de avarias no percurso da civilidade. Acordar untado de pasta de dente ou andar um longo trecho com um pedregulho imenso na bolsa eram sinônimos de que Bella estava por perto. Poderia listar uma infinidade de qualidades de Isabella, mas o objetivo desse texto é acentuar seu lado Loira Má. É madrinha de consagração do João.
O terceiro vértice deste triângulo de amigos é o Alexandre, marido da Ciça, mas que na época nem imaginava que se tornaria Alexandre Mendes. Apresentado ao grupo da Eco pela Claudia, foi imediatamente aceito e passou ser um comunicólogo desde criancinha. Alex é a tranqüilidade em pessoa. Nunca vi o cara puto, nunca. E dá papo para todo mundo, até pros chatos. Se ele tem ansiedade – um dos grandes males contemporâneos – não demonstra; tira de letra todo e qualquer embaraço. É padrinho do Caio e conhecido lá em casa como “Tio Pangaré”.
Pois Bella e Alex foram os últimos a serem resgatados por Aurélio. Como não havia o que fazer – não tinha onde se proteger da chuva – vinham ensopados debaixo de uma toalha, tiritando de frio. Não preciso me estender ao dizer que o carro do Aurélio ficou um melê com barro até o teto. E o toró que caía era gélido e assim ficou o clima o resto do dia.
De volta à estalagem do Pônei Cansado (como era mesmo o nome do lugar onde os hobbits de “O senhor dos anéis” encontram pela primeira vez Aragorn (Viggo Mortensen) e por ele são salvos de serem mortos? Pois o Klein era a cara e a careca, mais a careca, do Gólum) tomamos banho quente – morno ou gelado mesmo, conforme reza a Lu. E como não tínhamos como sair com aquele pé d’água, ficamos no Klein, cuja diária só incluía café da manhã, traçando uns biscoitinhos muito dos muquiranas até umas quatro da tarde, quando parou de chover.
Mas continuava frio pra chuchu. Sei que fomos a um restaurante e fizemos um lunner (corruptela inventada agora para designar, em inglês, duas refeições em uma, no caso o almoço e o jantar. Num tem o brunch? Então pode ter o lunner). Sem poder usufruir das belezas naturais de Lumiar e não tendo como permanecer na pousada do Klein (a Lu me corrige e diz que a estalagem era um moquifo só), pois o silêncio era imperativo a partir das dez e meia da noite, fomos, todos, de ônibus até São Pedro da Serra, uma cidadezinha um pouco mais acima de Lumiar.
terça-feira, 15 de junho de 2010
Lumiar e polenguinho 1.4
Não lembro exatamente quando foi e por que escolhemos Lumiar. Sei que foi o grupo mais eclético que jamais conseguimos reunir. Eu e Claudia mais nove amigos, de quatro grupos diferentes. Foi antes de 1989; sei que eu inda não estava casado com Claudia, tão pouco Aurélio, um amigão meu do Voltaço, casara-se com
Mônica (eles se separaram há dois anos e tem um filho de 21 anos, o Rafael). O casal era um dos grupos ecléticos que subiu a serra.
Na época, o Aurélio tinha um Passat vermelho e era o único que foi motorizado para Lumiar. Nós outros, fomos de buzão mesmo.
Acho que foi numa Semana Santa que fomos conhecer a cidadezinha que era título de música do Beto Guedes.Também não tenho certeza quanto à pousada: se reservamos daqui ou foi nossa única opção naquele paraíso de bichos-grilos. Afinal, era um feriadão e Lumiar, como todos os cantos turísticos do Brasil, estava cheia de urbanóides, como nós, além dos b.g. de sempre.
A segunda alternativa – última e única opção – ganha força diante da porcaria que era a pousada. Isso pode se imaginar apenas lendo o letreiro em frente ao casario: “Pousada do Klein”. As dependências até que eram limpinhas, apesar do tal do Klein parecer um adepto de uma dessas seitas apocalípticas que prenunciam o fim do mundo.
E o regime interno da pousada era o óu. Era vetado qualquer tipo de barulho depois de 22h30m. Ah, devia ser por isso que a pousada jazia vazia em pleno feriadão... Numa terra onde só tem bicho-grilo, você exigir silêncio total a partir de dez e meia é pedir pra falir.
Mas foi um aviso afixado na parede dos quartos que nos chamou a atenção. “ É terminantemente proibido queimar vela fora da latinha”. Procuramos e nada de latinha ou vela. Aí fez sentido o que o André Fábio, companheiro de Jornais de Bairro e meu vizinho de rua -- morávamos em dois dos últimos prédios da Benjamin Constant, na Glória, separados por duas casas de tolerância.
__ Hummm. Isto está mais parecendo uma proibição para não fumar maconha. Exato! É um código: onde lê-se “é terminantemente proibido queimar vela fora da latinha” deve-se ler “é terminantemente proibido queimar maconha” – matou a charada nosso Sherlock Holmes que dividia o quarto com outro amigo do Globo, que vem a ser padrinho de nosso filho mais velho (temos trigêmeos), Milton Calmon.
André Fábio fez algo em 1991, isto é, há quase 20 anos, que é um enigma até hoje para mim. Éramos grandes amigos – de freqüentar a casa um de outro e filar bóia sem qualquer constrangimento – e isso se seguiu ao meu casamento com Claudia. Depois de morar um bom tempo na Benjamin Constant, ele mudara-se para a Conde Laje, também na Glória. A Glória é um dos menores bairros do Rio. Visitávamo-nos regularmente, mas sem qualquer motivo aparente, André parou de nos procurar. Simplesmente riscou-nos de sua relação de amigos. A gente perguntava o porque daquele notório esfriamento de relações e André sempre saía pela tangente.
-- Não há nada. Só num deu para aparecer –- justificava (?) ele, quando reclamávamos de seu súbito gelo.
André tangenciou rapida e definitivamente, mudou-se da Glória e pulou fora de nossas vidas. Sinto falta de nossos papos sobre cinema e música pop (tínhamos, eu e ele, uma porrada de vinis e emprestávamos, um ao outro, discos com frequência). Bem, bola pra frente ou bico pro mato/que o jogo é de campeonato.
Mônica (eles se separaram há dois anos e tem um filho de 21 anos, o Rafael). O casal era um dos grupos ecléticos que subiu a serra.
Na época, o Aurélio tinha um Passat vermelho e era o único que foi motorizado para Lumiar. Nós outros, fomos de buzão mesmo.
Acho que foi numa Semana Santa que fomos conhecer a cidadezinha que era título de música do Beto Guedes.Também não tenho certeza quanto à pousada: se reservamos daqui ou foi nossa única opção naquele paraíso de bichos-grilos. Afinal, era um feriadão e Lumiar, como todos os cantos turísticos do Brasil, estava cheia de urbanóides, como nós, além dos b.g. de sempre.
A segunda alternativa – última e única opção – ganha força diante da porcaria que era a pousada. Isso pode se imaginar apenas lendo o letreiro em frente ao casario: “Pousada do Klein”. As dependências até que eram limpinhas, apesar do tal do Klein parecer um adepto de uma dessas seitas apocalípticas que prenunciam o fim do mundo.
E o regime interno da pousada era o óu. Era vetado qualquer tipo de barulho depois de 22h30m. Ah, devia ser por isso que a pousada jazia vazia em pleno feriadão... Numa terra onde só tem bicho-grilo, você exigir silêncio total a partir de dez e meia é pedir pra falir.
Mas foi um aviso afixado na parede dos quartos que nos chamou a atenção. “ É terminantemente proibido queimar vela fora da latinha”. Procuramos e nada de latinha ou vela. Aí fez sentido o que o André Fábio, companheiro de Jornais de Bairro e meu vizinho de rua -- morávamos em dois dos últimos prédios da Benjamin Constant, na Glória, separados por duas casas de tolerância.
__ Hummm. Isto está mais parecendo uma proibição para não fumar maconha. Exato! É um código: onde lê-se “é terminantemente proibido queimar vela fora da latinha” deve-se ler “é terminantemente proibido queimar maconha” – matou a charada nosso Sherlock Holmes que dividia o quarto com outro amigo do Globo, que vem a ser padrinho de nosso filho mais velho (temos trigêmeos), Milton Calmon.
André Fábio fez algo em 1991, isto é, há quase 20 anos, que é um enigma até hoje para mim. Éramos grandes amigos – de freqüentar a casa um de outro e filar bóia sem qualquer constrangimento – e isso se seguiu ao meu casamento com Claudia. Depois de morar um bom tempo na Benjamin Constant, ele mudara-se para a Conde Laje, também na Glória. A Glória é um dos menores bairros do Rio. Visitávamo-nos regularmente, mas sem qualquer motivo aparente, André parou de nos procurar. Simplesmente riscou-nos de sua relação de amigos. A gente perguntava o porque daquele notório esfriamento de relações e André sempre saía pela tangente.
-- Não há nada. Só num deu para aparecer –- justificava (?) ele, quando reclamávamos de seu súbito gelo.
André tangenciou rapida e definitivamente, mudou-se da Glória e pulou fora de nossas vidas. Sinto falta de nossos papos sobre cinema e música pop (tínhamos, eu e ele, uma porrada de vinis e emprestávamos, um ao outro, discos com frequência). Bem, bola pra frente ou bico pro mato/que o jogo é de campeonato.
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Guia
Ainda hoje continuo a passar dias em Volta Redonda. Já teve umas duas vezes em que fiquei uma semana direto na casa que era do meu pai e atualmente é da Norinha. Desde que se separou de Natasha, há dois anos, Chris, meu sobrinho, voltou a morar num quarto com banheiro nos fundos, com entrada independente.
Há uns três anos, quando ainda tínhamos carro – um Pegeout 206, ano 2004 – que vendemos no fim do ano passado, fomos passar um fim de semana no Voltaço. Sempre ficávamos no Bela Vista, um hotel ótimo, da própria C.S.N., que montou um hotel legal por conta dos gringos, principalmente americanos, que vinham dar consultoria na companhia.
Somos em cinco, o que inviabilizava nossa permanência na casa de minha irmã; uma única vez, ficamos na casa do André, enchendo com nossas presenças uma casa grande, bonita e confortável, mas que não fora projetada para abrigar nove pessoas.
Sei que Códia e André tiveram que deixar o quarto deles, ocupado por Claudia, eu, João e Caio; Clarinha dormiu com Ana Júlia. Códia, do André, dormiu no quarto do filho, Andrezinho, enquanto o André dormiu num quarto na cobertura. Acho que o prédio tem apenas quatro apartamentos, sendo que os do segundo andar tinham mais um pavimento.
Ou seja, já conhecíamos de cor e salteado o apartamento do André, mas nunca acertávamos o caminho. André e família moravam no Jardim Amália II, bairro colado no Jardim Amália, onde até hoje seu André e dona Leila moram num casarão que abrigara, muito confortavelmente, os pais do André e os seis filhos do casal: três homens e três mulheres.
Esse senso de “desorientação” não era de se estranhar em mim. Eu me perdia até em Viçosa, uma microcidade encravada nas montanhas de Minas e que em 1979, quando fui estudar lá, não tinha mais de 40 mil habitantes. Mas acho eu minha antice contaminava a Claudia também, de modos que nunca acertávamos o caminho.
Até que numa de nossas idas a Volta, combinamos de lanchar na casa do André.
-- ... só tem um problema – ponderava ao telefone com o André. – A gente sempre se perde quando vai à sua casa.
-- Num tem problema, Erão. Quando estiver entrando no Jardim Amália II me liga e eu guio vocês. Mas pega a rua Fulano e Tal e me liga. Num vai ter erro – prometeu André.
Assim fizemos. Quando chegamos a rua Fulano de Tal, eu, eterno no banco de carona, pois não dirijo, liguei do celular para a casa do André.
-- Alô? André? Tudo bem, miguim? Bem, já chegamos na Fulano de Tal... – disse.
-- Agora é só subir... Já estou vendo vocês... – respondeu André.
A tarde estava linda. Castanho-clara. O sol não demoraria a se pôr. Fui interrompido em minha contemplação pela recomendação do André:
-- Olha à sua esquerda. Agora, num tem erro.
Olhei na direção que ele mandara e imediatamente me pus a gargalhar. Do lado esquerdo, havia um imenso terreno baldio e um morro, onde estavam assentadas várias casas. Eis que numa janela, surge uma bunda nua. Imediatamente avisei às crianças e a Claudia.
-- É só seguir a bunda – disse, gargalhando, para Claudia que, assim como o trio, chorava de rir.
André ria alto ao telefone.
-- Hummm... Que ventinho bom – ouvi do outro lado da linha, antes dele desligar.
Com aquela abundancia de informações chegamos rapidinho ao destino.
As crianças estavam hiper-excitadas e ansiosas para que chegássemos logo à casa do tio André.
É por esta e outras que os três adoram o André.
Há uns três anos, quando ainda tínhamos carro – um Pegeout 206, ano 2004 – que vendemos no fim do ano passado, fomos passar um fim de semana no Voltaço. Sempre ficávamos no Bela Vista, um hotel ótimo, da própria C.S.N., que montou um hotel legal por conta dos gringos, principalmente americanos, que vinham dar consultoria na companhia.
Somos em cinco, o que inviabilizava nossa permanência na casa de minha irmã; uma única vez, ficamos na casa do André, enchendo com nossas presenças uma casa grande, bonita e confortável, mas que não fora projetada para abrigar nove pessoas.
Sei que Códia e André tiveram que deixar o quarto deles, ocupado por Claudia, eu, João e Caio; Clarinha dormiu com Ana Júlia. Códia, do André, dormiu no quarto do filho, Andrezinho, enquanto o André dormiu num quarto na cobertura. Acho que o prédio tem apenas quatro apartamentos, sendo que os do segundo andar tinham mais um pavimento.
Ou seja, já conhecíamos de cor e salteado o apartamento do André, mas nunca acertávamos o caminho. André e família moravam no Jardim Amália II, bairro colado no Jardim Amália, onde até hoje seu André e dona Leila moram num casarão que abrigara, muito confortavelmente, os pais do André e os seis filhos do casal: três homens e três mulheres.
Esse senso de “desorientação” não era de se estranhar em mim. Eu me perdia até em Viçosa, uma microcidade encravada nas montanhas de Minas e que em 1979, quando fui estudar lá, não tinha mais de 40 mil habitantes. Mas acho eu minha antice contaminava a Claudia também, de modos que nunca acertávamos o caminho.
Até que numa de nossas idas a Volta, combinamos de lanchar na casa do André.
-- ... só tem um problema – ponderava ao telefone com o André. – A gente sempre se perde quando vai à sua casa.
-- Num tem problema, Erão. Quando estiver entrando no Jardim Amália II me liga e eu guio vocês. Mas pega a rua Fulano e Tal e me liga. Num vai ter erro – prometeu André.
Assim fizemos. Quando chegamos a rua Fulano de Tal, eu, eterno no banco de carona, pois não dirijo, liguei do celular para a casa do André.
-- Alô? André? Tudo bem, miguim? Bem, já chegamos na Fulano de Tal... – disse.
-- Agora é só subir... Já estou vendo vocês... – respondeu André.
A tarde estava linda. Castanho-clara. O sol não demoraria a se pôr. Fui interrompido em minha contemplação pela recomendação do André:
-- Olha à sua esquerda. Agora, num tem erro.
Olhei na direção que ele mandara e imediatamente me pus a gargalhar. Do lado esquerdo, havia um imenso terreno baldio e um morro, onde estavam assentadas várias casas. Eis que numa janela, surge uma bunda nua. Imediatamente avisei às crianças e a Claudia.
-- É só seguir a bunda – disse, gargalhando, para Claudia que, assim como o trio, chorava de rir.
André ria alto ao telefone.
-- Hummm... Que ventinho bom – ouvi do outro lado da linha, antes dele desligar.
Com aquela abundancia de informações chegamos rapidinho ao destino.
As crianças estavam hiper-excitadas e ansiosas para que chegássemos logo à casa do tio André.
É por esta e outras que os três adoram o André.
sábado, 8 de maio de 2010
O susto
O ano era 1984. O André desfrutava de seu ano sabático em Volta Redonda. Ele ficou exatos 365 dias coçando tão logo concluiu, no tempo mínimo de quatro anos, o curso de engenharia agronômica, em Viçosa, Minas.
André odiava Viçosa e passara os quatro anos da faculdade arrumando pretexto para ir para Volta Redonda. A greve que, em 1980, mobilizou milhares de alunos para o André significou dias de folga junto â família. Assim, tão logo se formou, André tratou de passar um ano sem fazer nada na casa dos pais.
Chico abandonara a UFRJ, onde cursava matemática. Foram dois anos de tola insistência. Voltou para a casa do pai e para a caixa registradora da padaria da família. Um ano trabalhando de manhã e à tarde. Até resolver fazer concurso público e estudar para valer. Ficava na padaria das 8h ao meio-dia, quando ia para casa, se trancava no quarto e estudava como um tarado.
O terceiro personagem desta história sou eu. Ex-aluno de engenharia agronômica em Viçosa, onde estudara com André, estava no terceiro ano de jornalismo numa faculdade que mais parecia uma boate na Zona Sul do Rio. Estava em Volta por causa de uma semana de recesso nos estudos.
Foi numa tarde de um dia útil que André me ligou, combinando de passar lá em casa. Chegando lá, fomos até uma loja de sucos, perto do cinema Nove de Abril. Nada tínhamos para fazer naquela tarde de sol ainda cálido de agosto, quando André propôs uma incursão abrupta.
-- E se a gente fosse na casa do Chico? São quatro e meia Se dermos sorte, pegamos ele na academia, onde ele faz aulas de jazz – André pronunciou as últimas palavras entre risos abafados.
-- Tem certeza que num vamos perder a viagem? Cê sabe onde fica a academia dele? Cê já viu ele malhando? – perguntei, vislumbrando o Chico, um sujeito cabeçudo e de ombros e pernas curtas e grossas, todo desproporcional, fazendo ginástica entre beldades de malha que abundam as academias de ginástica, seja em Volta, Rio ou Foz do Iguaçu.
Foi uma imagem medonha, dessas que, de noite, a gente baba na fronha, se urina todo e já não tem paz, parafraseando Chico Buarque.
Chicão nunca dera o mole de deixá-lo flagrar malhando. André desconfiava onde era a academia, mas certeza, certeza, ele não tinha.
Mas entre passar a tarde vagabundeando na Vila e ir de ônibus ao Aterrado e termos a chance de flagramos o “verme” – como André, volta e meia, carinhosamente, chamava Chico – malhando, preferimos a segunda hipótese.
Chegando na casa do Chico, tocamos a campainha na expectativa de ouvirmos de sua mãe ou de uma prima, que na época morava com a família – Seu Zé Alfredo era o chefe da casa, que, por sinal, era alugada do Zé Alberto, o JALB – que o Chico estava na academia. Se Chico tivesse mesmo ido malhar, ela era capaz de nos levar lá para assistir a cena. Achava nossas brincadeiras inofensivas e realmente eram.
-- Oi – dissemos em uníssimo para a prima, que foi quem atendera a porta.
-- Chico está tomando banho. Acabou de chegar da academia -- disse-nos.
André pediu silêncio a ela, com o dedo em riste sobre os lábios para em seguida lhe sussurrar:
-- Podemos esperá-lo no quarto dele? Mas não avisa a ele, não, ta?
-- Claro que podem – respondeu ela, com ares de cumplicidade, sabendo que faríamos alguma sacanagem com o primo dela.
Chico morava na parte superior de uma casa de dois andares. Havia um lance de escadas para a casa dele e em frente um terreno coberto de brita e uma garagem encimada por folhas de zinco com capacidade para quatro carros. Ao fim da escadaria, havia vasos e xaxins com antúrios, avencas, samambaias e comigo-ninguém-podes(?), uma espécie de varanda-selva ou vice-versa. Duas portas: uma para a sala de casa; outra para a cozinha.
A prima do Chico nos recebeu pela porta dos fundos. Correndo, silenciosamente, passamos pela cozinha e fomos direto para o quarto dele, o primeiro do corredor, vindo da cozinha.
Entramos no quarto vazio, e excitados com a possibilidade de sacanearmos o Chicão, batemos cabeça, rindo. Penamos em dar-lhe um susto, permanecendo atrás da porta. Isso, quando entramos. Mas imediatamente mudamos de idéia: nos escondemos nas cortinas do quarto.
Foi quando André ditou a última forma. Sussurou para mim:
-- Fica debaixo da cama. Quando ele se aproximar e estiver com os pezinhos ao alcance das suas mãos eu dou um berro e você puxa-lhes os tornozelos.
Me joguei rapidamente no chão e, em dois segundos, estava debaixo da cama de Chico, a postos para lhes chacoalhar
os calcanhares.
Ficamos pouco mais de um minuto esperando-o chegar, numa excitação de criança, rindo nervoso.
Enfim, o sujeito saiu do banho, indo tranquilamente para seu quarto. Vinha com o dorso, pouco, mas pouco mesmo, menos peludo que o do Tony Ramos. Uma toalha enrolada na cintura. Todo fresquinho.
Trancou a porta e imaginei que ia tirar a toalha. Mas com ela enrolada na cintura, veio caminhando em direção da cama. De barriga para cima, preparei-me para o berro do André. Mas eis que a meio metro da cama, Chico parou. Achei que tinha descoberto o André. Mas não. O súbito breque foi seguido de uma guinada tranquila rumo ao armário que ficava na parede oposta à cama.
Pegou bermuda e camiseta, deu uma última olhadela no espelho, como a constatar que sua (feia) imagem conservava-se intacta. Voltou para a cama e seus tornozelos ficaram ao alcance das minhas mãos, mas esperava o berro do André, que parecia adivinhar que Chico viraria de costas para a janela e se sentaria na cama. Pronto! Ele se posicionara de maneira ideal. E ainda ficara pensativo, de costas para a cama. Mais mamão que isso, era impossível.
Justo quando Chico ia sentar-se, André solta um urro irreproduzível. Quase simultaneamente ao berro, minhas mãos apertaram firmemente os tornozelos de Chico.
O cara ficou lívido; não tivesse o sangue galego de seu pai (forte como um touro, embora o Chico estivesse mais para um javali) correndo nas veias, acho que ele teria um troço. Por troço, subentendesse um ataque cardíaco, um desfalecimento (uma reação bichosa) ou um piti chiliquento (idem). Mas como bom filho de portuga, só tremeu nas bases, quietando por três ou quatro segundos – tempo mais do que suficiente para que André saísse de trás das cortinas às gargalhadas e puxasse a toalha que protegia as partes pudendas do verme. Ah, decepção!! Uma cueca crivada de ursinhos Poou evitou o grand finale daquela estratégica peça.
-- Puta que o pariu – foram as primeiras palavras de Chico depois do susto, tratando de arrancar a toalha das mãos do André. – Aposta que foi a imbecil da Lena que deixou vocês entrarem. Lena! Lena!!.
Ele berrava, já com a toalha em torno da cintura, enquanto abria a porta do quarto. Flagrou Lena e sua mãe se escangalhando de rir, imediatamente atrás da porta. E elas não viram minha participação, personificando o terrível monstro que guinchava atrás da cortina. Mas com ouvidos colados à porta e prenunciando que faríamos alguma sacanagem com o Chicão, não se assustaram quanto aquele berro horrível quebrou o silêncio da dormente casa.
-- Lena, sua idiota! Tá mancomunada com eles, né? – Chico ralhava rindo e ameaçando a prima nordestina. –- O´, que eu te boto no próximo pau-de-arara de volta pra Natal.
Deu um xispa na mãe e retornou para o quarto, onde eu e André deitávamos na cama e ligávamos a TV de 21’, sem qualquer cerimônia. Rindo, Chico admitiu que aquele susto fora um dos mais fortes que tomara em toda sua vida.
Mas nossa presença ali era raridade. Desconcertantes eram as visitas semanais feitas por Magno e Alexandre, em 1976, no 1º ano colegial.
Na época, unha-e-carne, a dupla (com um estilo de humor que ora lembrava a sofisticação do Monty Python, ora assemelhava-se à grossura encardida da série “Jackass”) invadia sempre o quarto do Chico. E fuçava o armário sem qualquer constrangimento.
Espalhavam cuecas e meias pelo quarto inteiro. Até as quatro primeiras “visitas”, Chico ainda tentava impedir que deixassem o quarto como devastado depois da passagem de um furacão. Mas já na quinta vez, resignava-se a cobrir o rosto com uma almofada do Vasco.
-- O pior é que eles não diziam palavra. Era como se fosse um trabalho que tinham que executar. Como vinham, partiam. Já na terceira vez que vieram, deixaram até de falar com a toupeira da Lena, que insistia em abrir a porta para a dupla – ria-se a valer Chicâo.
Uma investida das mais engraçadas foi quando, tacando uma a uma as cuecas no chão, Alexandre deparou-se com uma que tinha a Cruz de Malta. Alex não hesitou: botou a cueca vascaína na cabeça, acabou de espalhar as tralhas no quarto e foi-se embora, usando na cabeça a cueca do Vasco.
Coisa de maluco. Coisa do Alexandre.
André odiava Viçosa e passara os quatro anos da faculdade arrumando pretexto para ir para Volta Redonda. A greve que, em 1980, mobilizou milhares de alunos para o André significou dias de folga junto â família. Assim, tão logo se formou, André tratou de passar um ano sem fazer nada na casa dos pais.
Chico abandonara a UFRJ, onde cursava matemática. Foram dois anos de tola insistência. Voltou para a casa do pai e para a caixa registradora da padaria da família. Um ano trabalhando de manhã e à tarde. Até resolver fazer concurso público e estudar para valer. Ficava na padaria das 8h ao meio-dia, quando ia para casa, se trancava no quarto e estudava como um tarado.
O terceiro personagem desta história sou eu. Ex-aluno de engenharia agronômica em Viçosa, onde estudara com André, estava no terceiro ano de jornalismo numa faculdade que mais parecia uma boate na Zona Sul do Rio. Estava em Volta por causa de uma semana de recesso nos estudos.
Foi numa tarde de um dia útil que André me ligou, combinando de passar lá em casa. Chegando lá, fomos até uma loja de sucos, perto do cinema Nove de Abril. Nada tínhamos para fazer naquela tarde de sol ainda cálido de agosto, quando André propôs uma incursão abrupta.
-- E se a gente fosse na casa do Chico? São quatro e meia Se dermos sorte, pegamos ele na academia, onde ele faz aulas de jazz – André pronunciou as últimas palavras entre risos abafados.
-- Tem certeza que num vamos perder a viagem? Cê sabe onde fica a academia dele? Cê já viu ele malhando? – perguntei, vislumbrando o Chico, um sujeito cabeçudo e de ombros e pernas curtas e grossas, todo desproporcional, fazendo ginástica entre beldades de malha que abundam as academias de ginástica, seja em Volta, Rio ou Foz do Iguaçu.
Foi uma imagem medonha, dessas que, de noite, a gente baba na fronha, se urina todo e já não tem paz, parafraseando Chico Buarque.
Chicão nunca dera o mole de deixá-lo flagrar malhando. André desconfiava onde era a academia, mas certeza, certeza, ele não tinha.
Mas entre passar a tarde vagabundeando na Vila e ir de ônibus ao Aterrado e termos a chance de flagramos o “verme” – como André, volta e meia, carinhosamente, chamava Chico – malhando, preferimos a segunda hipótese.
Chegando na casa do Chico, tocamos a campainha na expectativa de ouvirmos de sua mãe ou de uma prima, que na época morava com a família – Seu Zé Alfredo era o chefe da casa, que, por sinal, era alugada do Zé Alberto, o JALB – que o Chico estava na academia. Se Chico tivesse mesmo ido malhar, ela era capaz de nos levar lá para assistir a cena. Achava nossas brincadeiras inofensivas e realmente eram.
-- Oi – dissemos em uníssimo para a prima, que foi quem atendera a porta.
-- Chico está tomando banho. Acabou de chegar da academia -- disse-nos.
André pediu silêncio a ela, com o dedo em riste sobre os lábios para em seguida lhe sussurrar:
-- Podemos esperá-lo no quarto dele? Mas não avisa a ele, não, ta?
-- Claro que podem – respondeu ela, com ares de cumplicidade, sabendo que faríamos alguma sacanagem com o primo dela.
Chico morava na parte superior de uma casa de dois andares. Havia um lance de escadas para a casa dele e em frente um terreno coberto de brita e uma garagem encimada por folhas de zinco com capacidade para quatro carros. Ao fim da escadaria, havia vasos e xaxins com antúrios, avencas, samambaias e comigo-ninguém-podes(?), uma espécie de varanda-selva ou vice-versa. Duas portas: uma para a sala de casa; outra para a cozinha.
A prima do Chico nos recebeu pela porta dos fundos. Correndo, silenciosamente, passamos pela cozinha e fomos direto para o quarto dele, o primeiro do corredor, vindo da cozinha.
Entramos no quarto vazio, e excitados com a possibilidade de sacanearmos o Chicão, batemos cabeça, rindo. Penamos em dar-lhe um susto, permanecendo atrás da porta. Isso, quando entramos. Mas imediatamente mudamos de idéia: nos escondemos nas cortinas do quarto.
Foi quando André ditou a última forma. Sussurou para mim:
-- Fica debaixo da cama. Quando ele se aproximar e estiver com os pezinhos ao alcance das suas mãos eu dou um berro e você puxa-lhes os tornozelos.
Me joguei rapidamente no chão e, em dois segundos, estava debaixo da cama de Chico, a postos para lhes chacoalhar
os calcanhares.
Ficamos pouco mais de um minuto esperando-o chegar, numa excitação de criança, rindo nervoso.
Enfim, o sujeito saiu do banho, indo tranquilamente para seu quarto. Vinha com o dorso, pouco, mas pouco mesmo, menos peludo que o do Tony Ramos. Uma toalha enrolada na cintura. Todo fresquinho.
Trancou a porta e imaginei que ia tirar a toalha. Mas com ela enrolada na cintura, veio caminhando em direção da cama. De barriga para cima, preparei-me para o berro do André. Mas eis que a meio metro da cama, Chico parou. Achei que tinha descoberto o André. Mas não. O súbito breque foi seguido de uma guinada tranquila rumo ao armário que ficava na parede oposta à cama.
Pegou bermuda e camiseta, deu uma última olhadela no espelho, como a constatar que sua (feia) imagem conservava-se intacta. Voltou para a cama e seus tornozelos ficaram ao alcance das minhas mãos, mas esperava o berro do André, que parecia adivinhar que Chico viraria de costas para a janela e se sentaria na cama. Pronto! Ele se posicionara de maneira ideal. E ainda ficara pensativo, de costas para a cama. Mais mamão que isso, era impossível.
Justo quando Chico ia sentar-se, André solta um urro irreproduzível. Quase simultaneamente ao berro, minhas mãos apertaram firmemente os tornozelos de Chico.
O cara ficou lívido; não tivesse o sangue galego de seu pai (forte como um touro, embora o Chico estivesse mais para um javali) correndo nas veias, acho que ele teria um troço. Por troço, subentendesse um ataque cardíaco, um desfalecimento (uma reação bichosa) ou um piti chiliquento (idem). Mas como bom filho de portuga, só tremeu nas bases, quietando por três ou quatro segundos – tempo mais do que suficiente para que André saísse de trás das cortinas às gargalhadas e puxasse a toalha que protegia as partes pudendas do verme. Ah, decepção!! Uma cueca crivada de ursinhos Poou evitou o grand finale daquela estratégica peça.
-- Puta que o pariu – foram as primeiras palavras de Chico depois do susto, tratando de arrancar a toalha das mãos do André. – Aposta que foi a imbecil da Lena que deixou vocês entrarem. Lena! Lena!!.
Ele berrava, já com a toalha em torno da cintura, enquanto abria a porta do quarto. Flagrou Lena e sua mãe se escangalhando de rir, imediatamente atrás da porta. E elas não viram minha participação, personificando o terrível monstro que guinchava atrás da cortina. Mas com ouvidos colados à porta e prenunciando que faríamos alguma sacanagem com o Chicão, não se assustaram quanto aquele berro horrível quebrou o silêncio da dormente casa.
-- Lena, sua idiota! Tá mancomunada com eles, né? – Chico ralhava rindo e ameaçando a prima nordestina. –- O´, que eu te boto no próximo pau-de-arara de volta pra Natal.
Deu um xispa na mãe e retornou para o quarto, onde eu e André deitávamos na cama e ligávamos a TV de 21’, sem qualquer cerimônia. Rindo, Chico admitiu que aquele susto fora um dos mais fortes que tomara em toda sua vida.
Mas nossa presença ali era raridade. Desconcertantes eram as visitas semanais feitas por Magno e Alexandre, em 1976, no 1º ano colegial.
Na época, unha-e-carne, a dupla (com um estilo de humor que ora lembrava a sofisticação do Monty Python, ora assemelhava-se à grossura encardida da série “Jackass”) invadia sempre o quarto do Chico. E fuçava o armário sem qualquer constrangimento.
Espalhavam cuecas e meias pelo quarto inteiro. Até as quatro primeiras “visitas”, Chico ainda tentava impedir que deixassem o quarto como devastado depois da passagem de um furacão. Mas já na quinta vez, resignava-se a cobrir o rosto com uma almofada do Vasco.
-- O pior é que eles não diziam palavra. Era como se fosse um trabalho que tinham que executar. Como vinham, partiam. Já na terceira vez que vieram, deixaram até de falar com a toupeira da Lena, que insistia em abrir a porta para a dupla – ria-se a valer Chicâo.
Uma investida das mais engraçadas foi quando, tacando uma a uma as cuecas no chão, Alexandre deparou-se com uma que tinha a Cruz de Malta. Alex não hesitou: botou a cueca vascaína na cabeça, acabou de espalhar as tralhas no quarto e foi-se embora, usando na cabeça a cueca do Vasco.
Coisa de maluco. Coisa do Alexandre.
terça-feira, 27 de abril de 2010
Bebum, eu?
Em 1999, eu ainda andava sem ajuda de aparelho algum. Andava meio trôpego, arrastando os pés e volta e meia me amparava em paredes. Era efeito da Machado Joseph, que tornava mais penoso o meu dia-a-dia – não muito mais penoso, um tiquinho só.
Não podia passar em frente a um botequim impunemente. Os pinguços me olhavam como quem diz: “O que é isso, companheiro? Num pode beber, num bebe”. E de nada adiantava meus olhares mais irritados, que evidenciavam uma lucidez que só calava em mim.
Teve um cara que chegou a mexer comigo:
-- Tá ruim, hein, camarada?
Eu tropicava no nada, em frente a um pé-sujo na Barata Ribeiro, no caminho de casa, quando ainda morava na Nossa Senhora de Copacabana. É óbvio que nada respondi. Ia falar o que para o bebum?
-- Meu senhor, não estou alcoolizado. É que sofro de uma doença rara, uma ataxia spino-cerebelar, conhecida como Machado Joseph...
E diria isso com a voz pastosa, pois este cocô de doença também atinge a fala. Tá, o cara me entenderia e até se desculparia pelo comentário. Pois sim! Fiz a minha cara mais feia (o que não era nenhuma dificuldade), encarei o cara, tratei de buscar o prumo – ainda tinha prumo, naquela época -- e seguia adiante para ouvir outro comentário jocoso, noutro boteco mais à frente.
O prédio onde moramos até 2005 fica quase na esquina com Bolívar. Em cima de uma Bagaggio, uma loja de malas. De frente para a ruidosa Avenida Nossa
Senhora de Copacabana.
As crianças não tinham feito um ano ainda, quando, inconformados com o aluguel, resolvemos (eu e Claudia) comprar um apartamento, juntando o nosso fundo de garantia como entrada e financiando o resto a perder de vista. Bem, o apartamento da Nossa Senhora é enorme: três quartos amplos, uma sala imensa, que se subdivide em três, um cômodo grande demais para servir como corredor, mas era o que dividia quartos, banheiro, lavabo, cozinha e sala. As dependências é que são muito ruins: a área mal cabe dois secadores de roupa e o banheiro é quase inexistente. O quarto é ok, mas sem qualquer ventilação.
O que incomoda mesmo é o esporro que vem da rua. Um trânsito infernal durante o dia e a noite, batidas de carros no cruzamento de madrugada, freadas ríspidas e barulhentas de ônibus a qualquer hora, vândalos depredando tudo e todos no caminho a partir de uma da manhã...
Só fui ver o apartamento porque tinha me comprometido com o proprietário, que por telefone, me pareceu ser um cara legal. Foi honesto, falou que o apartamento era baixo (3º andar) e de frente. Não queria perder tempo com subterfúgios. Só queria lá gente que, de fato, estivesse a fim de encarar estes desconfortos. Era sábado, Claudia com o trio em casa – antes de nos mudarmos, morávamos no Leme, num apartamento maravilhoso na Roberto Dias Lopes, de fundos para uma encosta verde. Barulho? Nenhum. Éramos felizes moradores e sabíamos disso! Até chegamos a pensar em comprar ali no Leme mesmo, mas não tínhamos cacife. A prestação da Caixa ia ficar alta demais.
Bem, mas era um sábado. E era eu quem estava à caça de um apto. Combináramos o seguinte: nós dois nos revezávamos nas idas aos imóveis anunciados. Um gostando, os dois iriam checar condições. Bem, tinha acabado de olhar um apartamento insólito na Rua Barata Ribeiro (no anúncio dizia “com ampla vista para o verde”). Bah! O apartamento era colado ao túnel que transforma a Barata Ribeiro na Raul Pompéia e a “ampla vista para o verde” limitava-se aos tufos de capim e uma esquálida palmeira que insistiam em crescer em cima do túnel.
Já era uma da tarde e não queria me decepcionar mais. Quase voltei para casa, onde Claudia e os moleques, nascidos há nove meses, me esperavam para o almoço. Definitivamente, não tinha mais intenção alguma de morar numa rua movimentada e
Só fui mesmo por desencargo. Assim que toquei a campainha e me apresentei ao Marcos, filho dos donos do apartamento e responsável pela venda do imóvel,ouvi uma pessoa sentada numa mesinha, único móvel na enorme sala, o que aumentava significativamente a impressão de imensidão.
-- Eros querido – demonstrava toda a casualidade daquele encontro Ana, acho que Paula, divulgadora de uma grande gravadora e namorada do cara.
Bem, gostei do apartamento, Claudia também deu o seu aval. E graças a um despachante (de grátis não, foi pago pelo serviço) conseguimos agendar a grana que o sujeito pedia pelo apartamento dia 28 de dezembro (não tenho certeza quanto à data, sei que foi nos últimos dias de 1998). Senão, teríamos que esperar mais de um mês de recesso dos funcionários da CEF.
Bem, compramos, pintamos o apartamento e nos mudamos. Na primeira noite dormindo no novo apartamento, um calor de matar, um barulho ensurdecedor e uma convicção nada convicta no peito insone. “Eu não vou me arrepender de termos comprado a este apartamento; eu não vou me arrepender de termos comprado a este apartamento”, repetia, como um mantra, entre uma freada mais brusca de ônibus e o farol alto & buzinaço de um táxi. Algum tempo depois, instalamos um aparelho de ar-condicionado e uma janela anti-ruído – que conseguiu reduzir o barulho em 30%, 40%.
O prédio tinha quatro funcionários: o porteiro-chefe, que mandava em Deus e o mundo abaixo dele – contingente não muito vasto - outro porteiro, que ficava até as dez da noite, um faxineiro, que fazia às vezes de porteiro, e um vigia noturno, que ficava insone, sério, das dez da noite às seis da manhã do dia seguinte.
Soube do que vou lhes contar há pouco tempo, uns três, quatro meses. Mas aconteceu há, pelo menos, nove anos.
Na época, quem cozinhava e arrumava para nós era Esmeralda, uma senhora negra. Rose e, primeiro Derli, depois Priscila – mais tarde Rose ficou sozinha -- se revezavam tomando conta dos molequinhos.
Esmeralda é uma mulher “sacudida” para os seus 60 e lá vai fumaça. Fala muito e tem uma voz estridente. É uma pessoa maravilhosa, gosto demais dela. Ainda hoje ela nos visita, sempre quando Cremilda, nossa diarista de sempre (começou a fazer faxina para mim na Glória, em 1986, quando comecei a namorar a Claudia) está aqui em casa.
Sempre que chegava na portaria do prédio, me sentia aliviado. Eram breves instantes de uma paz, que sabia fugidia, mas que valia para respirar e relaxar.
Assim que eu entrasse em casa, a luta iria continuar, só mudaria o cenário da guerra: desde cedo no trabalho, não demoraria nada a ter pela frente um tufão que atendia por três nomes: Caio, Clara e João.
Então, quando cruzava a porta do prédio, vindo do trabalho, era como se todo aquele esforço que fizera para me manter equilibrado terminasse subitamente e eu pudesse relaxar. Subia o lance de escada que separava a entrada predial do elevador social quase me dissolvendo. E minha voz, já pastosa, em nada contribuía para consolidar minha figura:
- Oi, Zé. E aí, Antônio? – cumprimentava sempre informalmente o faxineiro, nordestino, e o segundo porteiro, acho que carioca, respectivamente.
Antônio era botafoguense doente – mas diferente de mim, que sou botafoguense e tenho uma doença. Ele era fanático, lia tudo nos jornais sobre o time. Sempre que eu chegava, entabulava uma conversa sobre o Fogão. Eu gostava de trocar idéias com ele, enquanto subia, trôpego, o lance de degraus.
E Zé atento à minha fala...
O horário do Arnaldo, o porteiro-chefe, era das seis da manhã às duas da tarde. Antônio pegava de duas às dez da noite, Eventualmente, muito eventualmente, eles trocavam. E também me dava bem com Arnaldo.
- E como vai a família, Arnaldo? – perguntava, repetindo o ritual – subia as escadas me dissolvendo, palavras saindo sonolentas da boca.
E Zé atento aos meus passos tortuosos...
O faxineiro pegava meio-dia e largava às oito da noite. Ou seja, só quando tinha “pescoção” no jornal – um tour de force para fechar a edição de um caderno ou determinada editoria – eu não me encontrava com ele.
Eis que num belo dia, Esmeralda chegava em casa para mais uma jornada de trabalho. E cumprimentou o Zé, que como sempre retribuiu e falava (mal) de algum condômino. Era uma briga de marido e mulher no 903 ou uma sova que o pai dera no filho mais velho no 401. Só que o assunto em questão não era outro senão eu.
-- Me explica uma coisa, d. Esmeralda: como a d. Claudia agüenta o seu Eros?
Esmeralda fez ares de avestruz, de completo desentendimento.
-- Hum??? - limitou-se a grunhir sua ignorância sobre o que Zé sugeria.
-- O cara chega mamado todo santo dia. Chega em casa trocando as pernas. E ainda tem as três crianças. Num entendo como ela num dá um pau no cara...
Foi aí que Esmeralda entendeu. E faltou pouco para ela dar uma porrada no Zé.
-- Seu infeliz. O Eros tem uma doença muito séria. Volta e meia, ele cai aqui dentro de casa – disse Esmeralda, que quanto mais nervosa, mais esganiçada falava. – E eu ainda dando papo para um imbecil como você.
Fechou a porta do elevador na cara feia e descomposta do Zé.
Hummmm!! Deve ser por isso que o cara, de repente, passou a carregar sacolas para mim em vez de apenas ficar torcendo para eu me esborrachar no chão.
Bem, eu e ele deixamos o número 960 da Nossa Senhora de Copacabana. Nunca mais o vi e imagino que ele também não mais viu este bebum que vós (hic!) escreve.
Não podia passar em frente a um botequim impunemente. Os pinguços me olhavam como quem diz: “O que é isso, companheiro? Num pode beber, num bebe”. E de nada adiantava meus olhares mais irritados, que evidenciavam uma lucidez que só calava em mim.
Teve um cara que chegou a mexer comigo:
-- Tá ruim, hein, camarada?
Eu tropicava no nada, em frente a um pé-sujo na Barata Ribeiro, no caminho de casa, quando ainda morava na Nossa Senhora de Copacabana. É óbvio que nada respondi. Ia falar o que para o bebum?
-- Meu senhor, não estou alcoolizado. É que sofro de uma doença rara, uma ataxia spino-cerebelar, conhecida como Machado Joseph...
E diria isso com a voz pastosa, pois este cocô de doença também atinge a fala. Tá, o cara me entenderia e até se desculparia pelo comentário. Pois sim! Fiz a minha cara mais feia (o que não era nenhuma dificuldade), encarei o cara, tratei de buscar o prumo – ainda tinha prumo, naquela época -- e seguia adiante para ouvir outro comentário jocoso, noutro boteco mais à frente.
O prédio onde moramos até 2005 fica quase na esquina com Bolívar. Em cima de uma Bagaggio, uma loja de malas. De frente para a ruidosa Avenida Nossa
Senhora de Copacabana.
As crianças não tinham feito um ano ainda, quando, inconformados com o aluguel, resolvemos (eu e Claudia) comprar um apartamento, juntando o nosso fundo de garantia como entrada e financiando o resto a perder de vista. Bem, o apartamento da Nossa Senhora é enorme: três quartos amplos, uma sala imensa, que se subdivide em três, um cômodo grande demais para servir como corredor, mas era o que dividia quartos, banheiro, lavabo, cozinha e sala. As dependências é que são muito ruins: a área mal cabe dois secadores de roupa e o banheiro é quase inexistente. O quarto é ok, mas sem qualquer ventilação.
O que incomoda mesmo é o esporro que vem da rua. Um trânsito infernal durante o dia e a noite, batidas de carros no cruzamento de madrugada, freadas ríspidas e barulhentas de ônibus a qualquer hora, vândalos depredando tudo e todos no caminho a partir de uma da manhã...
Só fui ver o apartamento porque tinha me comprometido com o proprietário, que por telefone, me pareceu ser um cara legal. Foi honesto, falou que o apartamento era baixo (3º andar) e de frente. Não queria perder tempo com subterfúgios. Só queria lá gente que, de fato, estivesse a fim de encarar estes desconfortos. Era sábado, Claudia com o trio em casa – antes de nos mudarmos, morávamos no Leme, num apartamento maravilhoso na Roberto Dias Lopes, de fundos para uma encosta verde. Barulho? Nenhum. Éramos felizes moradores e sabíamos disso! Até chegamos a pensar em comprar ali no Leme mesmo, mas não tínhamos cacife. A prestação da Caixa ia ficar alta demais.
Bem, mas era um sábado. E era eu quem estava à caça de um apto. Combináramos o seguinte: nós dois nos revezávamos nas idas aos imóveis anunciados. Um gostando, os dois iriam checar condições. Bem, tinha acabado de olhar um apartamento insólito na Rua Barata Ribeiro (no anúncio dizia “com ampla vista para o verde”). Bah! O apartamento era colado ao túnel que transforma a Barata Ribeiro na Raul Pompéia e a “ampla vista para o verde” limitava-se aos tufos de capim e uma esquálida palmeira que insistiam em crescer em cima do túnel.
Já era uma da tarde e não queria me decepcionar mais. Quase voltei para casa, onde Claudia e os moleques, nascidos há nove meses, me esperavam para o almoço. Definitivamente, não tinha mais intenção alguma de morar numa rua movimentada e
Só fui mesmo por desencargo. Assim que toquei a campainha e me apresentei ao Marcos, filho dos donos do apartamento e responsável pela venda do imóvel,ouvi uma pessoa sentada numa mesinha, único móvel na enorme sala, o que aumentava significativamente a impressão de imensidão.
-- Eros querido – demonstrava toda a casualidade daquele encontro Ana, acho que Paula, divulgadora de uma grande gravadora e namorada do cara.
Bem, gostei do apartamento, Claudia também deu o seu aval. E graças a um despachante (de grátis não, foi pago pelo serviço) conseguimos agendar a grana que o sujeito pedia pelo apartamento dia 28 de dezembro (não tenho certeza quanto à data, sei que foi nos últimos dias de 1998). Senão, teríamos que esperar mais de um mês de recesso dos funcionários da CEF.
Bem, compramos, pintamos o apartamento e nos mudamos. Na primeira noite dormindo no novo apartamento, um calor de matar, um barulho ensurdecedor e uma convicção nada convicta no peito insone. “Eu não vou me arrepender de termos comprado a este apartamento; eu não vou me arrepender de termos comprado a este apartamento”, repetia, como um mantra, entre uma freada mais brusca de ônibus e o farol alto & buzinaço de um táxi. Algum tempo depois, instalamos um aparelho de ar-condicionado e uma janela anti-ruído – que conseguiu reduzir o barulho em 30%, 40%.
O prédio tinha quatro funcionários: o porteiro-chefe, que mandava em Deus e o mundo abaixo dele – contingente não muito vasto - outro porteiro, que ficava até as dez da noite, um faxineiro, que fazia às vezes de porteiro, e um vigia noturno, que ficava insone, sério, das dez da noite às seis da manhã do dia seguinte.
Soube do que vou lhes contar há pouco tempo, uns três, quatro meses. Mas aconteceu há, pelo menos, nove anos.
Na época, quem cozinhava e arrumava para nós era Esmeralda, uma senhora negra. Rose e, primeiro Derli, depois Priscila – mais tarde Rose ficou sozinha -- se revezavam tomando conta dos molequinhos.
Esmeralda é uma mulher “sacudida” para os seus 60 e lá vai fumaça. Fala muito e tem uma voz estridente. É uma pessoa maravilhosa, gosto demais dela. Ainda hoje ela nos visita, sempre quando Cremilda, nossa diarista de sempre (começou a fazer faxina para mim na Glória, em 1986, quando comecei a namorar a Claudia) está aqui em casa.
Sempre que chegava na portaria do prédio, me sentia aliviado. Eram breves instantes de uma paz, que sabia fugidia, mas que valia para respirar e relaxar.
Assim que eu entrasse em casa, a luta iria continuar, só mudaria o cenário da guerra: desde cedo no trabalho, não demoraria nada a ter pela frente um tufão que atendia por três nomes: Caio, Clara e João.
Então, quando cruzava a porta do prédio, vindo do trabalho, era como se todo aquele esforço que fizera para me manter equilibrado terminasse subitamente e eu pudesse relaxar. Subia o lance de escada que separava a entrada predial do elevador social quase me dissolvendo. E minha voz, já pastosa, em nada contribuía para consolidar minha figura:
- Oi, Zé. E aí, Antônio? – cumprimentava sempre informalmente o faxineiro, nordestino, e o segundo porteiro, acho que carioca, respectivamente.
Antônio era botafoguense doente – mas diferente de mim, que sou botafoguense e tenho uma doença. Ele era fanático, lia tudo nos jornais sobre o time. Sempre que eu chegava, entabulava uma conversa sobre o Fogão. Eu gostava de trocar idéias com ele, enquanto subia, trôpego, o lance de degraus.
E Zé atento à minha fala...
O horário do Arnaldo, o porteiro-chefe, era das seis da manhã às duas da tarde. Antônio pegava de duas às dez da noite, Eventualmente, muito eventualmente, eles trocavam. E também me dava bem com Arnaldo.
- E como vai a família, Arnaldo? – perguntava, repetindo o ritual – subia as escadas me dissolvendo, palavras saindo sonolentas da boca.
E Zé atento aos meus passos tortuosos...
O faxineiro pegava meio-dia e largava às oito da noite. Ou seja, só quando tinha “pescoção” no jornal – um tour de force para fechar a edição de um caderno ou determinada editoria – eu não me encontrava com ele.
Eis que num belo dia, Esmeralda chegava em casa para mais uma jornada de trabalho. E cumprimentou o Zé, que como sempre retribuiu e falava (mal) de algum condômino. Era uma briga de marido e mulher no 903 ou uma sova que o pai dera no filho mais velho no 401. Só que o assunto em questão não era outro senão eu.
-- Me explica uma coisa, d. Esmeralda: como a d. Claudia agüenta o seu Eros?
Esmeralda fez ares de avestruz, de completo desentendimento.
-- Hum??? - limitou-se a grunhir sua ignorância sobre o que Zé sugeria.
-- O cara chega mamado todo santo dia. Chega em casa trocando as pernas. E ainda tem as três crianças. Num entendo como ela num dá um pau no cara...
Foi aí que Esmeralda entendeu. E faltou pouco para ela dar uma porrada no Zé.
-- Seu infeliz. O Eros tem uma doença muito séria. Volta e meia, ele cai aqui dentro de casa – disse Esmeralda, que quanto mais nervosa, mais esganiçada falava. – E eu ainda dando papo para um imbecil como você.
Fechou a porta do elevador na cara feia e descomposta do Zé.
Hummmm!! Deve ser por isso que o cara, de repente, passou a carregar sacolas para mim em vez de apenas ficar torcendo para eu me esborrachar no chão.
Bem, eu e ele deixamos o número 960 da Nossa Senhora de Copacabana. Nunca mais o vi e imagino que ele também não mais viu este bebum que vós (hic!) escreve.
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