segunda-feira, 25 de abril de 2011

açúcar e meleca

Acho que foi numa tarde de 1973. Foi depois de ter início um curso de basquete de proporções épicas em Volta Redonda. No ginásio do Recreio do Trabalhador, o professor Paulo Camargo reuniu, na noite de 28 de agosto de 1972, cerca de 200 moleques desejosos de serem os novos Carioquinhas, Hélios Rubens e Ubiratãs do basquete nacional.

Uma ideia genial, que permitiria peneirar e burilar jovens talentos. Uma hora dessas falo mais do projeto de Paulinho Camargo.

Tínhamos acabado de sair de um treino de basquete, no Recreio, e eu, Éneas e André íamos céleres para a Padaria Central, na Vila. Quando entramos na rua 27, fomos alcançados pelo Cláudio Fernando, vulgo Claudinho Meleca, apelido pegajoso que herdara dos irmãos mais velhos Marco e Paulo – nunca descobri o porque da alcunha.
E embora, dois anos mais novo que eu e André, e há três do Enéas, Claudio era mais alto que nós três.

-- Aonde vocês vão com tanta pressa? – perguntou-nos Claudinho.
Visivelmente a contragosto, André revelou nossos planos. Fez isso contrariado porque Claudinho Meleca era um pidão da porra. Filava lanches de quem conhecia e até de quem não conhecia. Para se ter uma ideia da saciedade dele, durante um torneio na casa de nosso mais renhido rival no interior do estado, Nova Friburgo, ganhou o apelido de “Biféfero”, pela voracidade com que consumia bifes durante as refeições.
-- Oba, vou nessa – afirmou Claudinho, sem esperar qualquer convite.

Em cinco minutos estávamos diante dos doces guarnecidos por vidro. Bombas, de creme e chocolate, doces de creme com maçã, brigadeiros, e toda sorte de guloseimas que tanto fascinavam nosso inexperiente e nada sofisticado paladar. Eu pedi uma coca e um pão-de-queijo de dimensões colossais; André, sovina que só, falou que estava com a pança cheia de água gelada, sorvida num dos bebedouros do Recreio, para não pedir e gastar vintém algum. Já o Enéas, que recebera o presuntoso (sic) apelido de Banha, muito mais pelos seus hábitos alimentares do que pela gordura em si, pediu uma coca e um mil folhas. Claudinho? Nem bem tive em mãos o pão-de-queijo, enorme e vazio de recheio, e o caboclo já pedira um “tasco”, já bebendo um bom gole de meu ainda invicto refrigerante. Pedaço de pão de queijo comido, Cláudio Fernando partiu célere em busca de outra vítima. O Éneas tinha comido um micro pedaço de seu doce, quando ouviu de Claudinho:

-- Enéas, me dá um pedacinho deste mil-folhas. Parece estar uma delícia.

Enéas foi fundo na canela de Claudinho.
-- Puta merda, Claudinho. Cê só veio com a gente para filar. Que saco – disse Juninho, não se negando, no entanto, a dar uma prova para ele.

Só que Enéas levou o doce até a boca de Claudinho, sem tirar a mão do lanche. No que Cláudio Fernando trincou os dentes, mordendo o também grande mil-folhas da padaria, Enéas soprou todo aquele açúcar de confeiteiro que cobre o doce no rosto do pidão. Eu, André, Enéas e a moça que nos serviu desatamos a rir. Claudinho parecia o negativo de Al Jonson (ator branco que pintara o rosto de negro para protagonizar o primeiro filme falado da história, “O cantor de jazz”, na racista década de 20 do século passado). Fez beicinho, fez cara de puto, limpou o rosto com vários guardanapos, e foi-se.

Ainda demos muitas gargalhadas (que hoje soam ainda mais justas, ao menos para mim).
Teve um tempo -- a duração pelo afã de um álbum de figurinhas -- em que toda tarde nos reuníamos eu, Claudinho Meleca e Gustavo, um cara que morava a três casas de mim, na esquina da rua 22, para jogar bafo. E eu era tão desligado, tão imbecil, que sequer atinava que raramente era o primeiro a tentar virar o bolo de figurinhas. Por causa de um velho truque deles, quase sempre ficava como o segundo ou o terceiro. O esquema era tão simples quanto funcional; como éramos três, decidíamos a ordem de jogar no zerinho-ou-um. O Melequinha (aos irmãos mais velhos não cabiam diminutivo) e o Gustavo sempre botavam números diferentes: enquanto Claudinho botava zero, Gustavo sacava um; e vice-versa, de acordo com sinais. Assim, só cabia ao paspalho aqui decidir quem seria o primeiro: Cláudio ou Gustavo.

A única parte lícita do jogo era o par-ou-ímpar para escapar de ser o último a bater. Vez por outra “deixavam” de lado a falcatrua e eu conseguia ser o primeiro. Mas só faziam isso para que não ficasse evidente demais o golpe deles.

Puras perdas de tempo e posição. Crédulo como eu era, nunca acreditaria que me passavam a perna tão descaradamente assim. Sempre voltava da casa do Gustavo “raspelado” – sem figurinha alguma para contar história. Mas minha crença no ser humano seguia inabalável. Bons tempos.

3 comentários:

  1. duas histórias em uma, cada qual na boa e velha narrativa do cara.

    mas, pô, bem que podia costurá-las (e não colá-las) com algo melhor do que simples Meleca, né, não?

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  2. Eros, faz tempo que não sei nada sobre você e não sei como seu endereço veio parar no meu correio. Adorei ler sobre suas aventuras com pessoas tão familiares e conhecidas por cada um de nós que ia ao hi-fi dos Funciónários! Adorei! Um beijo enorme e saudades, Marcia (a irmã da Liliane. Lembra de mim?)

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  3. que pergunta idiota, marcia. nem que milhares de coisas importantes acontecessem -- e aconteceram -- eu me esqueceria de vc, da sandra e dos pegas depois dos hi-fis do funcionáros. um beijo menso.

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