domingo, 20 de junho de 2010

Lumiar e polenguinho 3.4

Pegamos o ônibus numa cidade desolada. A chuva transformara aquele ponto turístico em reduto dos bichos-grilos nativos. Rodamos alguns quilômetros numa estrada de barro com o coletivo fazendo perigosas evoluções e sambando “nas curvas” (favor caprichar no dialeto chiado carioquês).

Desembarcamos uns 40 minutos depois noutro ponto turístico igualmente desolado. Ficamos em São Pedro da Serra o tempo que o ônibus ficou por lá: uns 20 minutos. Tempo mais do que suficiente para conhecer todo o “centro nervoso” da cidadezinha. Que entrara em pane com aquele dilúvio. Tanto que tudo que eu imaginava ser uma loja, estava com as portas cerradas. Com exceção de uma birosca – misto de quitanda e armazém – e uma padaria, cujo néon do l do Real, estava apagado. Embora fossem menos de oito da noite, os caras da padaria já iam fechar a Confeitaria Rea -- como se lia, sem o l. Tratamos de comprar alguns víveres, já que frigobar é luxo desnecessário na ex-talagem do sr. Gólum Klein.

Eis que estranhamente ouvimos música. Vinha do único restaurante aberto. Era chique bem, e não havia viv’alma nas mesas. Só um sujeito que parecia o dono, pelo jeito que se dirigia aos garçons, se embebedava solitário com vinho rosé (blergh! Imagina a dor de cabeça do cara, ao acordar, no dia seguinte...).
O motorista do ônibus veio avisar-nos que aquela era a última viagem de retorno a Lumiar. Até conjecturamos passar a noite ali, mas aquele coaxar de sapo fez aumentar significativamente o frio.

Então pegamos o último ita em São Pedro da Serra e fomos com Klein ficar (Adeus meu pai, minha mãe/Adeus Belém do Pará... Foi só uma piadinha com o clássico “Ita do Norte”. Entenderam não? Na próxima vez, eu desenho, dããããããã....). Foi na primeira curva sacolejante que o Aurélio (não vou descrevê-lo, já o fiz nos posts de “Carnaval em Angra”) resolveu inventar um treco doido, ao que ele batizou “surfe de ônibus”. Consistia em ficar de pé no corredor do ônibus e tentar manter-se de pé sem se segurar em nada.

-- Vamos lá, Erão. É divertido – dizia ele. – Vamos, gente.

Calmon, um sujeito normalmente fechado, foi o primeiro a aderir à nova modalidade aureliana. André, Alex, Bella, Lu e eu tratamos de também tentar domar aqueles sacolejos na estrada esburacada, enlameada e cheia de curvas.


Somente Claudia -- sabiamente, pois tem os dois lados esquerdos – Mônica – a brincadeira foi idéia do Aurélio, ah, me poupem! – e as irmãs Denise e Simone – tanto por timidez quanto por medo de se estabacarem – não participaram do surfe no circular Lumiar-São Pedro.

O ônibus vinha vazio – só recolhera um capiau no caminho, que se entrincheirara no primeiro banco. Então era nosso o rinque de patinação. Depois de muito quase metermos o nariz naquele chão infecto e barrento do ônibus – eu, André, Calmon e Bella cansamos e nos sentamos, cada qual num banco. Eis que um dos que continuaram a “surfar” – acho que foi a Luciana – tomou um caixote e para não arrebentar os quartos -- e os quintos também – caiu sentada no meu colo. Ao que eu imediatamente retruquei, para espanto geral:
--Ai!! Meu polenguinho!!
Lu foi a primeira a verbalizar o pensamento geral.
-- Ué, eu caio no seu colo e você reclama do seu polenguinho? Vem cá, Claudia, como é namorar um queijeiro? – observou ela, antes de gargalhar e encontrar eco em todo mundo, incluído aí o trocador.
Alex e Aurélio também tinham cessado o “surfe rodoviário” e estavam sentados.

Nisso, eu me levantei e tirei do bolso direito da calça – usava calça de algodão verde escuro, com dois longos bolsos na frente – dois queijinhos Polenguinho, devida e irremediavelmente amarfanhados pela buzanfa ( é com s?) da Luciana.

-- Ainda bem que a Lu caiu em cima do lado direito – disse, sacando do bolso esquerdo, dois chocolates e dois doces-de-leite, que vem numa embalagem de plástico e você morde uma extremidade e vai sugando o doce.

Seria mais ambíguo e muito melhor para a minha imagem se, ao ser buzanfado (pergunta que não quer calar: é com s?) pela Lu do lado esquerdo, alertasse:

-- Ai!! Meu doce de leite!!


Mas seria melhor só para a minha imagem porque imagina o lodaçal que ia ficar minha calça, caso algum dos sachezinhos de doce de leite estourasse. Ia ser mais ou menos como o vazamento de silicone dos peitos da Vera Fischer, coisa que aconteceu há uns cinco anos (mas que me calou fundo n’alma: volta e meia eu, ainda hoje, imagino aquela mulher que já foi uma diva, com os seios vazando).

Eu sei que foi (é) uma encarnação interminável. No dia seguinte, a primeira coisa que Isabella pergunta à mesa no café da manhã (ou a pão e água, como vai insistir Luciana) a Claudia, depois de um protocolar bom dia foi:
-- E o polenguinho do Eros, Claudia? Sobreviveu? Tá tudo bem?

E aguente gracejos. Só quem não zoou comigo foram Denise e Simone. Até a Claudia fez piada...

Mas voltemos à noite anterior, que ainda não acabou. Mais alguns solavancos e estávamos de volta a Lumiar. Frio e úmido pra cacete. Mas fazer o quê? A espelunca de Chucky, o Brinquedo Assassino, não tinha área comum que abrigasse seis pessoas confortavelmente, imagina 11. Apesar da bosta do tempo, insistimos e demos uma andada até o coreto – toda aldeia tem um. Claudia tinha levado um baralho, pois já imaginávamos que seria ruim de encontrarmos lazer naquela terra. Mas o chão do coreto estava imundo e começava a chegar um povo ainda mais fedido que os bichos-grilos locais. Quando apareceu uma mulher com uma garrafa de Itapipoca, que ela sorvia pelo gargalo mesmo, fomos embora.
-- É o melhor que a gente faz, galera – dizia Aurélio ajudando Lu a descer os poucos degraus do coreto, como bom cavalheiro que quem o conhece sabe que ele não é.
-- Pô, mas ainda não são dez horas...Num tô com sono algum – ponderou Calmon, enquanto nos encaminhávamos para a Gruta do Gólum.
-- Vamos ficar no nosso quarto ou no de Aurélio e Mônica. São os maiores e se todo mundo se apertar...— disse eu, quando estávamos quase chegando à pocilga, digo pousada.
-- Podem nos incluir fora dessa. Tá frio pra burro e a gente vai é ficar debaixo das cobertas no nosso quarto – disse Denise, diante de Simone, que balançava a cabeça assertivamente, partilhando da opinião da irmã mais velha.
Eram dez e cinco quando cruzamos a porta da Pousada do Alien. Fomos para o quarto onde eu e Claudia estávamos hospedados depois de cruzarmos com seu Klein, dona Klein e Kleinzinho diante de uma televisão... ligada!! Caramba, até alienígenas assistem novela!!!
-- Boa noite – saudou-nos Klein.
-- Boa noite – respondemos em uníssono.
Já no nosso quarto, sem a presença de Denise e Simone, trocamos o baralho por uma assembléia. Dúvida: o que fazer?
-- Dou força para a gente ir embora daqui. Vamos de volta para o Rio -- sugeriu Aurélio, então morador de Volta Redonda, ainda livre dos “porra, meu” admitidos em seu léxico diário depois de duas décadas morando em São Paulo, capital.

-- PÕ, mas se a gente saiu de lá em busca de tranquilidade – ressaltou Alex.

Sei que depois de muitas deliberações depois chegamos à seguinte decisão: de manhã cedo, Claudia ligaria para Leila, prima dela, embora minha mulher regulasse em idade com as filhas dela, as três Anas: Cristina, Paula e Beatriz. Eles (não citei o Ambrósio, marido da Leila e pai das Anas) tinham uma casa em Friburgo, que talvez estivesse vazia. Naquela época não tinha celular – uns quatro anos mais tarde, tive acesso aquela máquina revolucionária na cobertura de um show na Enseada de Botafogo. Era um tijolão imenso e eu não conseguia passar a cobertura do show pelo celular e tive que recorrer a um orelhão para passar a matéria. Ainda ficamos conversando um pouco no quarto – Lu também já tinha ido dormir. Deu onze e 15 e decidimos ir dormir. Calmon ainda estava sem sono. Pois que contasse carneirinhos (na época já namorava a Kátia Carneiro, hoje mulher e mãe de seu casal de filhos) ou papeasse só com o André no quarto.

A princípio, não entendi a pressa de Bella em ir para o quarto que dividia com Alex e Lu - àquela altura do sono dando buzanfadas (é com s?) em Morfeu. Logo que todos se despediram e foram para seus quartos e Alexandre encontrou a porta do quarto fechada, começou a fazer sentido a pressa da Loira Má.
Os Quein já tinham se recolhido e o silêncio, imperativo na Toca dos Quem, reinava absoluto. Só, rarefeito, ouvia-se o sussurar de Alex diante da porta do quarto trancada:
-- Bella! Bella! Abre a porta. Abre logo, que tá um gelo aqui fora.
Nisso, aconteceu uma sucessão de murros e pontapés na porta. E de dentro do quarto, num fiapo de voz fingido, Isabella pedia comedimento ao Alex:
-- Por favor, Alex. Não faz barulho. Já são mais de 11 horas.

Eu e Claudia chegamos a deixar nosso quarto, atraídos pelo barulhão.

-- O que houve, Alex? Que esporro é este? – perguntei.
Mas Alexandre nem precisou responder.
Uma nova sucessão de murros e pontapés chacoalhou a porta fazendo de novo barulho alto. Era Bella que esmurrava a porta, enquanto Alex fazia cara de resignação.

-- Pôxa, Alex. Já te falei pra num fazer barulho, esta é uma pousada de família – dizia Bella, com voz pausada e traindo-se para quem escutasse suas ponderações, deixando escapar uma gargalhada entre as duas últimas palavras pronunciadas.
Alex, da resignação, passou ao desespero.
-- Isabella, pelo amor de Deus, abre esta p#@@% de porta – falando um tiquinho mais alto.

Apesar do palavrão proferido entre os dentes, ainda era grande o medo de que Jason aparecesse com sua motoserra gritando “que era proibido fazer barulho depois das dez e meia, caralho!!!”.
Acabou que o cara não emergiu das sombras. Também, além dele, mulher e filhos, só nossa desavisada turma estava na pousada. E pouco depois, Bella abriu a porta. Ela só queria que Alex -- ou Lu, calhasse entrar no quarto depois dela – ficasse desesperado com a situação; não pretendia obrigá-lo a uma noite gélida, depois daquelas roubadas todas, nem vê-lo retalhado pelas garras metálicas de Freddie Kruger. Objetivo cumprido, porta aberta.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Lumiar e polenguinho 2.4

Voltemos a Lumiar e a pousada do Klein. Acho que a cidade não estava tão cheia porque urbanos, mais espertos do que nós, confiaram nos palpites meteorológicos (naquele tempo, mais do que hoje, uma loteria). A meteorologia previa uma Semana Santa chuvosa. Mas um solzinho, ainda que tímido, na manhã de quinta (chegáramos quarta à noite), nos encheu de esperança. Fomos todos para uma cachoeira a pé -- não era muito distante da pousada -- depois de tomarmos o café da manhã. Afinal, quando se é jovem há uma ânsia de tudo aproveitar, e entre nós o que não faltava era ansiedade por um mergulho na gélida poça feita pela cascata. Mas bastou chegarmos ao poção para cair um dilúvio. Até dava para ficar, não fosse o frio cavernoso que fazia. Era de se esperar que a chuva gelada tornasse quentes as águas vindas do Véu de Noiva (acabei de batizar, toda cidade turística tem uma cachoeira com este nome). Qual o quê! Era glacial o frio fora ou dentro d’água.

Assim não restou outra saída senão batermos em retirada o mais depressa possível. Aurélio corria como um louco na frente de todos. Voltara pilotando o Passat, resgatando todo mundo daquele aguaceiro. Numa primeira levou Mônica, Claudia, Calmon e André mais as irmãs Denise – era diagramadora de um jornal de cinema no qual a Claudia trabalhara antes de ir para o Globo -- e Simone, outro subgrupo.
A Denise conhecia algumas pessoas desse Dream Team – ou Nightmare Team, mais apropriado - mas a irmã só conhecia, e mesmo assim, mal, a Claudia. As duas eram bem tímidas e quietinhas.

Na segunda leva, Aurélio recolheu quem ainda estava debaixo d’água: eu, Luciana, Alexandre e Isabella. Os três já tinham estudado com a Claudia. Alex fizera o 2º ano do Segundo Grau (hoje ensino médio) e o cursinho pré-vestibular com ela no extinto Colégio Impacto, na Rua Xavier da Silveira, onde hoje funciona um apart-hotel. Luciana e Isabella estudaram Comunicação com Claudia. Lu optou por publicidade e abandonou o curso. Já Bella concluiu jornalismo com minha mulher, mas optou pela pesquisa, enquanto Claudia se rendeu ao jornalismo, primeiro o impresso, depois o televisivo e atualmente o on-line.
Lu é uma das pessoas mais agradáveis que eu conheço, dona de um humor ágil e inteligentíssimo. É madrinha do Caio, meu filho mais novo, e botafoguense de carteirinha como nós, aqui em casa. Meus filhos são fascinados por ela. É uma genial contadora de história. Acho que ela e o Zamba, vulgo Gilberto, irmão do André, estão comendo mosca. Dariam dois ótimos comediantes – e é muito mais difícil arrancar uma gargalhada do que uma lágrima.

Já Isabella era diabólica – no passado mesmo, porque agora, deu uma acalmada. Viajar com a Bella significava disposição para aturar toda sorte de avarias no percurso da civilidade. Acordar untado de pasta de dente ou andar um longo trecho com um pedregulho imenso na bolsa eram sinônimos de que Bella estava por perto. Poderia listar uma infinidade de qualidades de Isabella, mas o objetivo desse texto é acentuar seu lado Loira Má. É madrinha de consagração do João.

O terceiro vértice deste triângulo de amigos é o Alexandre, marido da Ciça, mas que na época nem imaginava que se tornaria Alexandre Mendes. Apresentado ao grupo da Eco pela Claudia, foi imediatamente aceito e passou ser um comunicólogo desde criancinha. Alex é a tranqüilidade em pessoa. Nunca vi o cara puto, nunca. E dá papo para todo mundo, até pros chatos. Se ele tem ansiedade – um dos grandes males contemporâneos – não demonstra; tira de letra todo e qualquer embaraço. É padrinho do Caio e conhecido lá em casa como “Tio Pangaré”.

Pois Bella e Alex foram os últimos a serem resgatados por Aurélio. Como não havia o que fazer – não tinha onde se proteger da chuva – vinham ensopados debaixo de uma toalha, tiritando de frio. Não preciso me estender ao dizer que o carro do Aurélio ficou um melê com barro até o teto. E o toró que caía era gélido e assim ficou o clima o resto do dia.

De volta à estalagem do Pônei Cansado (como era mesmo o nome do lugar onde os hobbits de “O senhor dos anéis” encontram pela primeira vez Aragorn (Viggo Mortensen) e por ele são salvos de serem mortos? Pois o Klein era a cara e a careca, mais a careca, do Gólum) tomamos banho quente – morno ou gelado mesmo, conforme reza a Lu. E como não tínhamos como sair com aquele pé d’água, ficamos no Klein, cuja diária só incluía café da manhã, traçando uns biscoitinhos muito dos muquiranas até umas quatro da tarde, quando parou de chover.

Mas continuava frio pra chuchu. Sei que fomos a um restaurante e fizemos um lunner (corruptela inventada agora para designar, em inglês, duas refeições em uma, no caso o almoço e o jantar. Num tem o brunch? Então pode ter o lunner). Sem poder usufruir das belezas naturais de Lumiar e não tendo como permanecer na pousada do Klein (a Lu me corrige e diz que a estalagem era um moquifo só), pois o silêncio era imperativo a partir das dez e meia da noite, fomos, todos, de ônibus até São Pedro da Serra, uma cidadezinha um pouco mais acima de Lumiar.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Lumiar e polenguinho 1.4

Não lembro exatamente quando foi e por que escolhemos Lumiar. Sei que foi o grupo mais eclético que jamais conseguimos reunir. Eu e Claudia mais nove amigos, de quatro grupos diferentes. Foi antes de 1989; sei que eu inda não estava casado com Claudia, tão pouco Aurélio, um amigão meu do Voltaço, casara-se com
Mônica (eles se separaram há dois anos e tem um filho de 21 anos, o Rafael). O casal era um dos grupos ecléticos que subiu a serra.
Na época, o Aurélio tinha um Passat vermelho e era o único que foi motorizado para Lumiar. Nós outros, fomos de buzão mesmo.

Acho que foi numa Semana Santa que fomos conhecer a cidadezinha que era título de música do Beto Guedes.Também não tenho certeza quanto à pousada: se reservamos daqui ou foi nossa única opção naquele paraíso de bichos-grilos. Afinal, era um feriadão e Lumiar, como todos os cantos turísticos do Brasil, estava cheia de urbanóides, como nós, além dos b.g. de sempre.

A segunda alternativa – última e única opção – ganha força diante da porcaria que era a pousada. Isso pode se imaginar apenas lendo o letreiro em frente ao casario: “Pousada do Klein”. As dependências até que eram limpinhas, apesar do tal do Klein parecer um adepto de uma dessas seitas apocalípticas que prenunciam o fim do mundo.

E o regime interno da pousada era o óu. Era vetado qualquer tipo de barulho depois de 22h30m. Ah, devia ser por isso que a pousada jazia vazia em pleno feriadão... Numa terra onde só tem bicho-grilo, você exigir silêncio total a partir de dez e meia é pedir pra falir.

Mas foi um aviso afixado na parede dos quartos que nos chamou a atenção. “ É terminantemente proibido queimar vela fora da latinha”. Procuramos e nada de latinha ou vela. Aí fez sentido o que o André Fábio, companheiro de Jornais de Bairro e meu vizinho de rua -- morávamos em dois dos últimos prédios da Benjamin Constant, na Glória, separados por duas casas de tolerância.
__ Hummm. Isto está mais parecendo uma proibição para não fumar maconha. Exato! É um código: onde lê-se “é terminantemente proibido queimar vela fora da latinha” deve-se ler “é terminantemente proibido queimar maconha” – matou a charada nosso Sherlock Holmes que dividia o quarto com outro amigo do Globo, que vem a ser padrinho de nosso filho mais velho (temos trigêmeos), Milton Calmon.

André Fábio fez algo em 1991, isto é, há quase 20 anos, que é um enigma até hoje para mim. Éramos grandes amigos – de freqüentar a casa um de outro e filar bóia sem qualquer constrangimento – e isso se seguiu ao meu casamento com Claudia. Depois de morar um bom tempo na Benjamin Constant, ele mudara-se para a Conde Laje, também na Glória. A Glória é um dos menores bairros do Rio. Visitávamo-nos regularmente, mas sem qualquer motivo aparente, André parou de nos procurar. Simplesmente riscou-nos de sua relação de amigos. A gente perguntava o porque daquele notório esfriamento de relações e André sempre saía pela tangente.
-- Não há nada. Só num deu para aparecer –- justificava (?) ele, quando reclamávamos de seu súbito gelo.

André tangenciou rapida e definitivamente, mudou-se da Glória e pulou fora de nossas vidas. Sinto falta de nossos papos sobre cinema e música pop (tínhamos, eu e ele, uma porrada de vinis e emprestávamos, um ao outro, discos com frequência). Bem, bola pra frente ou bico pro mato/que o jogo é de campeonato.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Guia

Ainda hoje continuo a passar dias em Volta Redonda. Já teve umas duas vezes em que fiquei uma semana direto na casa que era do meu pai e atualmente é da Norinha. Desde que se separou de Natasha, há dois anos, Chris, meu sobrinho, voltou a morar num quarto com banheiro nos fundos, com entrada independente.

Há uns três anos, quando ainda tínhamos carro – um Pegeout 206, ano 2004 – que vendemos no fim do ano passado, fomos passar um fim de semana no Voltaço. Sempre ficávamos no Bela Vista, um hotel ótimo, da própria C.S.N., que montou um hotel legal por conta dos gringos, principalmente americanos, que vinham dar consultoria na companhia.

Somos em cinco, o que inviabilizava nossa permanência na casa de minha irmã; uma única vez, ficamos na casa do André, enchendo com nossas presenças uma casa grande, bonita e confortável, mas que não fora projetada para abrigar nove pessoas.

Sei que Códia e André tiveram que deixar o quarto deles, ocupado por Claudia, eu, João e Caio; Clarinha dormiu com Ana Júlia. Códia, do André, dormiu no quarto do filho, Andrezinho, enquanto o André dormiu num quarto na cobertura. Acho que o prédio tem apenas quatro apartamentos, sendo que os do segundo andar tinham mais um pavimento.

Ou seja, já conhecíamos de cor e salteado o apartamento do André, mas nunca acertávamos o caminho. André e família moravam no Jardim Amália II, bairro colado no Jardim Amália, onde até hoje seu André e dona Leila moram num casarão que abrigara, muito confortavelmente, os pais do André e os seis filhos do casal: três homens e três mulheres.

Esse senso de “desorientação” não era de se estranhar em mim. Eu me perdia até em Viçosa, uma microcidade encravada nas montanhas de Minas e que em 1979, quando fui estudar lá, não tinha mais de 40 mil habitantes. Mas acho eu minha antice contaminava a Claudia também, de modos que nunca acertávamos o caminho.

Até que numa de nossas idas a Volta, combinamos de lanchar na casa do André.

-- ... só tem um problema – ponderava ao telefone com o André. – A gente sempre se perde quando vai à sua casa.

-- Num tem problema, Erão. Quando estiver entrando no Jardim Amália II me liga e eu guio vocês. Mas pega a rua Fulano e Tal e me liga. Num vai ter erro – prometeu André.

Assim fizemos. Quando chegamos a rua Fulano de Tal, eu, eterno no banco de carona, pois não dirijo, liguei do celular para a casa do André.

-- Alô? André? Tudo bem, miguim? Bem, já chegamos na Fulano de Tal... – disse.

-- Agora é só subir... Já estou vendo vocês... – respondeu André.

A tarde estava linda. Castanho-clara. O sol não demoraria a se pôr. Fui interrompido em minha contemplação pela recomendação do André:

-- Olha à sua esquerda. Agora, num tem erro.

Olhei na direção que ele mandara e imediatamente me pus a gargalhar. Do lado esquerdo, havia um imenso terreno baldio e um morro, onde estavam assentadas várias casas. Eis que numa janela, surge uma bunda nua. Imediatamente avisei às crianças e a Claudia.

-- É só seguir a bunda – disse, gargalhando, para Claudia que, assim como o trio, chorava de rir.

André ria alto ao telefone.

-- Hummm... Que ventinho bom – ouvi do outro lado da linha, antes dele desligar.

Com aquela abundancia de informações chegamos rapidinho ao destino.

As crianças estavam hiper-excitadas e ansiosas para que chegássemos logo à casa do tio André.

É por esta e outras que os três adoram o André.