terça-feira, 28 de agosto de 2012

basquete e carecas 1.2

28 de agosto de 1972. Uma segunda-feira, primeiro dia útil da semana. Foi, certamente, a mais abrangente experiência esportiva de Volta Redonda. Afinal, cerca de 200 adolescentes acorreram ao ginásio do Recreio dos Trabalhadores, às 19h, acolhendo convocação para um curso de basquete. A quadra do Recreio era bacana, de chão de madeira e as tabelas em vidro temperado importadas dos EUA eram móveis – a quadra, polivalente, abrigava também jogos de vôlei e futebol de salão – com as bases das estruturas de ferro das tabelas totalmente acolchoadas. No entanto, por mais aparelhado que fosse o centro – além dos limites da quadra, havia duas cestas, uma em cada canto – estava longe de comportar tanta gente. A ideia era que todas segundas e quartas-feiras, os inscritos - ééé...tinha que se inscrever para participar da oficina, vocábulo que não existia na época, um modismo muito mais recente – chegaram atraídos por uma folha mimeografada (num sei explicar esta vetusta técnica) em que um molequinho desenhado batia bola contra o chão. Ao lado, em letras garrafais lia-se: “Venha aprender a jogar basquete”. Nas frases logo abaixo, em letras menores, constava onde se inscrever, o último dia de inscrição (acho que era a sexta-feira imediatamente anterior ao dia 28), os dias e horários das aulas (segundas e quartas, das 19h às 21h), faixa etária (dos 10 anos aos 16) e o responsável pelo curso: professor Paulo Camargo. Em 1972, o golpe militar de 1964 galopava célere, e na maré golpista, só cabiam superlativos como “Brasil grande” ou eufemismos que justificassem a prática da tortura, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Mas tinha que amar segundo os militares: sôfrega e tacanhamente; de acordo com os milicos, não havia lugar para outro tipo de amor. Nesta de que vivíamos em tempos de “milagre econômico” e oportunidades (a seleção brasileira de futebol era tricampeã e a Taça Jules Rimet repousava segura -- quá, quá, quá -- e definitivamente em solo brasileiro) não combinava com eventos menores, principalmente em cidades de segurança nacional. Municípios de segurança nacional eram aqueles considerados estratégicos para o país. E Volta Redonda, por sediar a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), gigante estatal que chegou a empregar 22 mil funcionários, era considerada como ponto estratégico pelos militares (hoje, privatizada, abriga menos de oito mil profissionais). Apesar da maciça distribuição de folhetos -- principalmente entre a molecada que fazia as colônias de férias promovidas pelo Recreio do Trabalhador para os filhos dos operários da CSN – Paulinho tomou um susto quando, na tarde do dia 28, soube do número de gente interessada em aprender a jogar basquete. Julgava reunir naquele primeiro dia, 30, no máximo 40, garotos – todos sabedores dos fundamentos do esporte, adquiridos em aulas dadas por um ícone do basquete de Volta Redonda, Libiano Abiati. Então com uns 50 anos, aquele filho de italianos, havia integrado um ótimo time formado no Voltaço, em meados dos anos 50, quando manteve uma longa invencibilidade sobre times da capital e do interior. Reproduzo esta informação como verdade inquestionável, mas sequer chequei a veracidade desta notícia. Umuarama, clube que ficava na Vila Santa Cecília. As quadras eram frequentadas pela molecada abastada do Laranjal e uns moradores da Vila. Naquela época, um jogador, nascido em Volta Redonda, Jorge Maravilha, saíra dos treinos de Libiano para ser pivô titular do Flamengo. De modos que outros jogadores, independentemente de idade, sonhavam trilhar os passos de Jorjão e jogar num clube do Rio. Este era o sonho de 15, estourando 20 adultos e adolescentes que treinavam no Umuarama, então clube da elite volta-redondense. Assim, diante de um Paulinho ao mesmo tempo radiante e encafifado (como lidaria com todo aquele contingente de alunos sozinho?). ocorreu o primeiro treino. Paulinho queria ver o potencial dos alunos que tinha nas mãos. Fizeram-se filas e mais filas para trotar quicando a bola o mais rapidamente possível e também de arremessos à curtíssima distância, usando-se o quadrado logo acima da cesta como referência. Assim foi durante as duas primeiras semanas. Na terceira semana, levou para auxiliá-lo um garotão engraçadíssimo chamado Bitinho, apelido de Herbert. Tinha uns 16 anos, era dentuço e estava longe de ser um exímio jogador de basquete. Era um esforçado armador, pois tinha, no máximo, 1,75m, em tempos em que 2 metros era uma pusta altura, digna de pivôs – os caras mais altos do time, que jogam dentro do garrafão, debaixo da cesta. Apesar da idade, o tinha visto em ação há pouco mais de dois meses, defendendo as cores do Macedo Soares, colégio onde estudei os antigos Primeiro e Segundo Graus – hoje metade do fundamental e todo o ensino médio -- no qual entrei no mesmo ano em que começara o curso de basquete, 1972. Em meio àquele ginásio lotado – o do Recreio do Trabalhador -- lembro-me apenas de Bitinho e mais três jogadores no jogo final contra a Fevre (Fundação Educacional de Volta Redonda, um colégio público): Paulo Frederico, vulgo Paulo Meleca, e Anísio, do Macedo, e Enoch, da Fevre (que mais tarde viria a ser chamado de Inhoque, pelo pessoal do basquete. Lembro-me do Paulo não sei por qual motivo; do Anísio, recordo-me de ser o mais alto em quadra e ser um dos piores, perdendo cestas inacreditáveis ou tomando tocos inadmissíveis prum cara de mais de 2 metros. De Enoch, lembro-me de ter sido o grande herói da vitória da Fevre. Fez pontos de longe (ainda não havia a linha dos três pontos) e com infiltrações fulminantes no garrafão do Macedo. Do Bitinho jogador, ficou a impressão de um sujeito raçudo, mas limitado, incapaz de parar o ala Enoch quando este passou a ser marcado homem-a-homem pelo armador do Macedo. Bem, dividida, a platéia viu a Fevre sagrar-se campeã. Possivelmente também estavam no time do Macedo, Claudio e Giuliano, filhos de Abiati. Mas Bitinho, como professor de educação física (é verdade que ainda sonhava cursar faculdade) e como auxiliar-técnico do Paulo Camargo estava longe de ser apenas esforçado. Ele e Paulinho – este sim, um bom armador, embora ostentasse perto de 2m – bolavam esquemas de jogo prontamente assimilado pelos times comandados pela dupla nos treinos. Mas como “treino é treino, jogo é jogo”, muitas vezes o esquema não era executado pelas equipes dirigidas por Paulinho e Bitinho, quer por nervosismo, quer por incapacidade tática/técnica no calor de uma disputa. É claro que uma oficina com 200 inscritos não durou muito tempo. O número de participantes foi minguando paulatinamente, até que passados uns dois meses, ficaram uns 40 participantes. Nestes dois meses, quem insistiu e ficou, viu coisas engraçadas como gêmeos idênticos que só se diferenciavam pela ordem dos nomes: um era Márcio Ricardo; o outro, Ricardo Márcio. Sei que os moleques moravam longe à beça, mobilizavam sempre uma tia para levá-los e os gêmeos eram ruins pra cacete. Não sabiam xongas de basquete, nem o basquete os queria por perto. Antes do primeiro mês de treinos, largaram o esporte. Para mim, além de um bom condicionamento físico – tinha treino em que a parte física ocupava 40% das duas horas de apronto – o basquete não me servira para muita coisa não. Eu era um tampinha e tampinha continuei. E não era habilidoso o suficiente para postular uma vaga entre os melhores. Ainda passei quatro anos treinando basquete. Até desistir e começar a treinar futebol de salão no mesmo Recreio: só que era titular inconteste. De bom mesmo no basquete foi que ficara conhecendo André e Enéas, quatro anos antes de estudarmos juntos. Amigos inseparáveis, viviam bolando “estratégias” para escapar do “batismo”, ritual sexista e idiota, liderado, na maioria das vezes, pelos mais zemulas do grupo. E sempre driblavam os mais velhos, Era um ritual pelo qual marinheiros de primeira viagem tinham obrigados a passar, mas como André e Éneas sempre escapavam, eram sempre considerados “calouros” e potenciais vítimas dos celerados do basquete do Recreio. O André era bom de bola – tanto que integrou a seleção estadual apenas dois meses depois de iniciado o curso de basquete. Era para defender a seleção do antigo Estado do Rio. Lembrem-se que a disputa foi em 1972, anterior, portanto, à fusão da cidade do Rio de Janeiro com o Estado do Rio, que ocorreu em 1974. O torneio reuniu seleções de quase todos os estados e territórios da federação. Não me lembro de termos ido bem. Nem mal. Sei que a seleção do Estado do Rio era a união de seis jogadores de minibasquete de cada uma das duas cidades rivais pela hegemonia do basquete no estado: Volta Redonda e Nova Friburgo. Os seis de Volta Redonda: André Fernão (meu amigaço até hoje), Luís Gílson, Luizinho Vianna e Lair. Estes quatro, tenho certeza. Tinha o quinto e o sexto jogadores. Claudinho José (vítima de um ataque cardíaco fulminante alguns anos atrás), Fabinho Malavasi (ex-comentarista da NBA pelo canal por assinatura ESPN), Cláudio Meleca (protagonista do post anterior) e o Rodolfo “Véia” (embora fosse um ou dois anos mais velho que a maioria de nós) são os mais cotados pela minha memória. Lembro-me de ter viajado apenas uma vez. Foi para disputar um amistoso em Nova Iguaçu, contra o time local. O Iguaçu Basquete Clube nos deu uma chinelada, num placar incrivelmente baixo, mesmo para um amistoso de minibasquete: 28 a 12. O placar faz jus à mediocridade da pelada. Não me lembro de termos atuado sequer com um time misto; só tinha reservas, uma equipe horrível.

2 comentários:

  1. Quantas histórias de vida vc tem...e que bom poder reparti-las com a gente por aqui...
    bjo

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  2. Muitas histórias de vida, mas ele não devia ter me avisado que tinha coisa nova.

    É, sou o cara que curte essas lembranças pra cara...mba, mas que aposta que muito mais gente as curtiria, integralmente, se o escritor partisse para uma condensação dramatúrgica das paradas.

    Eu sei, ele já me explicou que o lance é soltar tudo o que vem à mente e tal.

    Pra que um cerceamento que o drama impinge?

    Que os roteiristas se virem depois pra passar isso pra tela.

    E nesse caso, vai fundo, Eros.

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