domingo, 4 de abril de 2010

T.S. 4.4

Além do despotismo com que administrou o C.I.V.R. e de sua boca exageradamente aberta, ao botar um violento chute a escanteio, guardo poucas recordações de Osvaldo. A que mais me lateja as têmporas é de seu desempenho não em “Dr. Jekill and Mr. Hide”, mas sim em “O médico e o monstro”, como a trama foi traduzida em português.
Foi este arremedo de montagem que inflou o ego do sujeito. Foi imediatamente antes de assumir a presidência do clubinho que ele encarnou o médico que descobre uma droga que o transforma no mais abominável dos homens.

Na TV Globo, o protagonista era vivido por Sérgio Cardoso, ator que morreria no mesmo ano em que o especial foi exibido, 1972. Não foi difícil para ele nos convencer quanto a sua predisposição para viver o protagonista. Era de longe o mais teatral da turma.

Engraçado...Eu não me lembro de qualquer outra montagem. Ou seja, não posso garantir que encenássemos sempre para fazer caixa. Mas lembro-me de flashes da encenação (encenação?? feita por moleques de 11, 12 anos?) de ”O médico e o monstro”.
A gente se empenhou para caramba. Montamos bancos com tábuas e formas cilíndricas de concreto. O quintal ficou cheio de gente, faturamos uma fortuna (dinheiro mais do que suficiente para comprarmos mariolas e marias-moles até num poder). Na única cena em que eu aparecia era dentro da casinha da Nora. Eu era o padre que ouvia as confissões terríveis do médico, que diferentemente do texto original, lembrava-se de todos os crimes cometidos enquanto monstro. Subitamente, quando o padre (eu) ficava aterrorizado com as barbáries cometidas e preparava-se para dar no pé, o médico, já sem conseguir controlar a bizarra transmutaçãa, avançava sobre ele (o padre,eu) e o (me) esganava.
Mas quem roubou olhares e risadas do público foi um primo de Wilkens e Nem, conhecido como Baianinho. Era imagem e semelhança do Cascão, personagem de Maurício de Souza, só que mais nanico. Como não tínhamos mulher na nossa confraria – menina alguma se interessou em fazer parte do C.I.V.R. e nunca imaginamos uma entre nós – um guri tinha que encarnar algum personagem feminino. Como achávamos ridículo se pintar e vestir de mulher, passamos o papel para o Baianinho, – que resmungou um pouco, mas aceitou. Ele -- que não era membro efetivo e só se juntava à gente nas férias -- interpretava a vítima que escapara de um ataque do médico/monstro e detonava uma caçada frenética ao protagonista.

“Montado” – nosso figurino tinha até uma peruca, gentilmente cedida por minha mãe – o moleque era ainda mais feio. Além de um batom que lhe esboçava a boca, lápis preto acentuavam seus feios traços. Usava uma blusa rosa, descombinando com sapatos altos vermelhos. Saia preta e meias-arrastão de igual cor completavam o figurino de Baianinho.
A cena -- ensaiada uma ou duas vezes – era a seguinte: o médico tentava seduzir a personagem de Baianinho. Quando enfim conseguia, cambaleava, e possuído por um ser maligno preparava-se para estrangular a “moça”, que conseguia se desvencilhar dos baços do monstro. E fugia, alertando perseguidores que no fim, davam cabo da criatura.

Assim foi no(s) ensaio(s). Nossa apresentação, marcada para às 19h, começara com uns dez minutos de atraso. Afinal, alguns de nós, atores, tínhamos que fazer às vezes de bilheteiros e lanterninhas, acomodando o público nas arquibancadas de tábua.
Na hora do ”vamo ver”, o Baianinho perdeu a peruca e aquele tufo de cabelos crespos encimava aquela figura grotesca, de batom, saia preta e meias-arrastão que esquecera a fala. Perdido em cena, ele fez uma cara de pavor e correu rumo às arquibancadas e seu desespero arrancou genuínas gargalhadas. Só que a nossa idéia era fazer um espetáculo que deixasse as meninas de cabelo em pé, medonho mesmo.

Mas quando nós, “atores”, voltamos à cena para os agradecimentos de praxe, o mais aplaudido, de longe, foi o Baianinho.


Outra recordação que guardo do Osvaldo não é propriamente dele, mas de Wilkens. Depois que Osvaldo e Paulinho foram para casa deles irreversivelmente
brigados conosco, Vito cismou que ia dar porrada nele e já no dia seguinte. Para isso, iria cercá-lo no campinho de capim em frente ao Recreio do Trabalhador, por onde Osvaldo tinha que passar rumo ao Macedo Soares. Osvaldo ia para o colégio de manhã cedo; saía de casa sete e meia, mais ou menos. Ou seja, Vito ia ter que acordar bem cedinho se quisesse dar uns catiripapos no Osvaldo.
-- Num tem problema. Acordo até de madrugada para dar um cacete naquele bostinha – dizia, convicto, Vito.
Wilkens era bem mais forte que Osvaldo. Mas era muito, muito, muito, muito mais feio. Sabe a morte? Pois ela rivalizaria em feiúra com Wilkens!! O cara tinha umas olheiras de zumbi, um nariz torto, uma boca feia, com dentes tortos e incivilizados. Era o....(pera, estou contando) sexto numa família de dez filhos. Valmir, Valdir, Valter. Wilson, Vilma, Wilkens, Aluísio, Maria de Fátima, Rosangela e Marcos. Escrevendo os nomes é que me toquei que todos até Wilkens deviam ser grafados com W. Quando o Nem chegou, os pais deviam estar de saco cheio de botar nome de filho começando com W e aí botaram os nomes que mais gostavam...a menos que...Nada, não. Por breves instantes, imaginei as certidões dos quatro últimos filhos de Seu Wilkens (sim, acho que Vito era Júnior) e dona Coisa (ela era a responsável pelas olheiras dos filhos). Waloísio, Waria de Wátima, Wosângela e Warcos. Exagero...
Mas Vito cumpria a ameaça e cedinho estava de tocaia no campinho por onde Osvaldo passava para ir para o colégio.
Quando viu Wilkens, deu sebo nas canelas; já devia prever um acerto de contas com o troglodita, que acho, também estudava de manhã, na Escola Pandiá Calógeras, que formava mão-de-obra especializada para a Companhia Siderúrgica Nacional. Vito ficou só nos xingamentos:
-- Foge não, viadim.
-- Arrombado. Vou te dar porrada.
Sabedor da tenacidade jumenta de Vito, Osvaldo dava uma volta muito maior atéo colégio, subindo a rua 31, onde ficava a igreja de Santa Cecília. O caminho era paralelo ao caminho original, só que mas cansativo e mais demorado.

Mais demorou apenas três dias para que Vito percebesse o estrategema de Osvaldo e preparar-se para, entocado perto da ponte na rua 26, quase na rua 31, surpreender Osvaldo.
O ex-presidente do C.I.V.R. vinha ressabiado e atento com tudo à sua volta. Percebeu que havia alguma coisa errada na ponte. Parou, como um antílope ao farejar o leão. Vito acreditou que poderia alcançar Osvaldo na corrida. Besteira. Osvaldo fugiu correndo de volta para casa.
Vito , mais corpulento, ficou muito atrás e teve que se contentar novamente em xingar o desafeto:
-- Covarde, bundão.
-- Osvaldicha!!
Não sei o que o Osvaldo contou ao pai, mas o Seu Lionel passou a levar – antes de ir para o Escritório Central, no coração da Vila -- e trazer Osvaldo a bordo do Simca. Como tudo era muito perto, Seu Lionel almoçava em casa com a família. Bem, Wilkens desistiu de dar um pau no Osvaldo.

Seguramente, há mais de 36 anos que não o vejo. A última notícia que tive do ex-presidente do C.I.V.R. foi que virara modelo.

3 comentários:

  1. sacanagem o que fizeram com o baianinho. tudo bem que não tinham mulher no clube mas nem tentaram uma "participação especial"?

    eu sei que o moleque foi o mais aplaudido mas... nem imaginavam, também, que a atuação do carinha iria levar a peça pra comédia?

    pois é, entra com metalinguagem que aí que eu falo mais, hehe.

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  2. décio, acha que moleques bobos e machoezinhos saberíamos do socesso que baianinho faria junto ao distinto público?

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  3. verdade. na próxima EU coloco uma saia.

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