domingo, 21 de março de 2010

T.S. 3.4

No encontro seguinte com Osvaldo e Paulinho, estavam todos reunidos: eu, Marcos, David, Samuel, Vito e Nem.
Pela primeira vez, eu estava batendo de frente com o Osvaldo. Questionava tudo: a TS, seu modo soberbo de tratar as pessoas, o clima de rivalidade entre os irmãos mais eu e os demais membros do C.I.V.R..
No que ponderei, uma infinidade de reclamações explodiu.
-- Você e o Paulinho são dois metidos – David, o mais franzino de todos, metia o dedo no nariz do então presidente do C.I.V.R.
-- Num sei o que viram aqui. Voltem lá para os lados da rua 24 – disse, já no auge da cizânia, Vito.
Encurralado e prestes a ser tirado na marra do grupo, Osvaldo, como era de seu feitio, dramatizou ao máximo seu gingado rumo ao cadafalso.

Entre olhares arregalados e boca exageradamente aberta, como Peter Lorre em “M., o vampiro de Düsseldorf” – jóia expressionista do cinema
alemão – Osvaldo sentia-se e demonstrava-se acuado. Ainda tentou um último apoio.

-- Depois de tudo o que fiz, vocês estão me enxotando? É isso, Eros? – Osvaldo buscava a mim, não que eu tivesse ascendência sobre os outros; mas tudo funcionava lá em casa, do C.I.V.R. às exposições de tranqueiras usadas.

-- E o que você fez, Osvaldo? – interpelava Marcos. – Nada, só trouxe briga.
Sabendo que perdera a guerra, o ex-goleiro do Topo Giggio, ainda tentou uma saída dramática. Com os olhos verdes quase pulando das órbitas, entrou no meu quintal seguido por todos agora ex-TSs.
Entrou na sede do Clube Infantil e pegou um porquinho de plástico, onde estavam todas nossas economias.
-- Então vamos jogar fora o que conseguimos juntos – disse ele, caminhando até o Jardim dos Inocentes. – A gente taca foge nas notas e no cofre, que é de plástico e joga aos ventos todas as moedas – propôs, filosoficamente, Osvaldo.
-- Uma ova!! – contestou Vito, matando a poesia que Osvaldo pretendia dar ao seu último ato como nosso líder. – Vamos é dividir o dinheiro.
Vito foi apoiado por todos nós, quer por olhares ou por exclamações.
Wilkens prontamente tomou o cofre das mãos de Osvaldo e com a ajuda de um canivete – não sei de onde surgiu – rasgou o porquinho de plástico. Deu uma mixaria para cada um de nós, Prontamente gasta com balas e chocolates pelos mais afoitos, como Muel, Nem e David – sinceramente teria tido destino mais digno fosse incinerado.

O quê fizera Osvaldo sair das imediações da rua 24 e se misturar cam moleques como nós? É que nesta fase de idade a gente costuma fazer amizade com quem mora perto. E embora moradores da mesma rua 27, ele e Paulinho vinham de outra vizinhança.

Eu, Marcos, David, Samuel, Nem, Wilkens e Cláudio – que não participou do episódio do Osvaldo, mas era do grupo – diferíamos das outras turmas por uma pseudo-organização. Pirralhos de dez, 11 anos já fazíamos exposições de raridades
.. -- como uma moeda de 1 peso chileno, de 1961 – ou insetos invocados que pegávamos em incursões feitas ao morro do Bela Vista, onde fica o melhor hotel da cidade. Lagartas multicoloridas, gafanhotos e grilos irados se juntavam a objetos raríssimos e exibíamos no meu quarto, o da frente. Cobrávamos de outras crianças, moleques mais novos ainda e meninas. Várias vezes tivemos que negociar o preço do ingresso pois o visitante achava tudo muito ruim. Aí em vez do valor ínfimo de cinco balas, cobrávamos o equivalente a um chiclete mastigado.

Embora fossem no meu quarto, as exposições eram eventos do C.I.V.R. (Clube Infantil de Volta Redonda). O clube, cujo nome foi invenção do Marcos, disparado o mais criativo e gente boa da turma. Funcionava fisicamente na casinha (casona) da minha irmã, que diferentemente das outras irmãs era, já, maravilhosa. Sempre me dei muito bem com a Norinha que, quatro anos mais velha, incentivava tudo o que eu fazia. Devia ser remorso, pois dela era a culpa d’eu carregar o Ricardo logo depois do Eros. Eros Ricardo é nome de cantor de zona! Tenho um amigo, defensor intransigente da breguice nominal, que não entendia porque não assinava o segundo nome, como faziam Bernardo Guilherme e Décio Manoel.

Voltando ao C.I.V.R., minha irmã deixava que partilhássemos da casinha desde que não atrapalhássemos ela e as amigas. Não tinha atritos. Ainda mais que o quintal

lá de casa era grande o suficiente para abrigar duas turmas, aparentemente incompatíveis, já que as amigas da minha irmã eram mais velhas que nós, membros do clube.

A tal casinha era enorme. Feita com esmero com compensados agregados. Tinha mais ou menos nove metros quadrados e uns 1,80m de altura. Não tinha divisões internas; me lembro de uma mesinha e cadeiras de criança. Tinha telhado de zinco, duas janelinhas e uma porta com chave, que prontamente sumiu – minha mãe tratou de desaparecer com ela. A porta tinha uma pequena abertura em forma de coração na altura dos olhos. Era azul. Minha irmã deixou que escrevêssemos em tinta rosa (rosa?) as inscrições do clube na entrada da casona.

Foi um pusta presente de Natal. A casa chegou rebocada por um caminhão numa noite de 24 de dezembro. Não faço idéia de como entraram com a casinha, nem como a botaram no fundo do quintal. Fui uma baita surpresa e minha irmã ficou esfuziante. Não sei se chegamos a dormir na casa, mas nós insistimos muito com nossa mãe.

Os integrantes do C.I.V.R. pagavam uma mensalidade, uma ninharia, só para termos algum dinheiro para contabilizar. E arriscávamos na música também “Com cocares na cabeça são/Os caciques tremendão”. Tudo por uma rima. É bem verdade que todos no “The tigers” (eu, Marcos, David e Cláudio Esperança) tocavam um único instrumento. O maior instrumentista era aquele que conseguisse fazer mais esporro, fosse batucando uma panela, um penico ou qualquer coisa de metal. E tínhamos uma sanha politicamente correta, que era o supra-sumo da babaquice. Uma vez, instituímos uma cota de palavrões que poderia ser proferida: quem falasse mais de 20 era banido. Houve algum problema e Muel, o mais reprimido de nós todos – seus pais eram batistas ferrenhos – danou a xingar.
-- Puta merda – xingava ele, na reta final.
-- 18...– enumerávamos.
-- Caralho.
--19...
-- Cu.
-- 20. Fechou!! Muel, você está expulso do C.I.V.R.
Ainda bem que este e outros afastamentos não duravam mais que dois dias.
Mas foi esta suposta organização, tão rara, em moleques de 11,12 anos que encantou Osvaldo. Autoritário, decidiu pleitear a presidência do C.I.V.R. depois de protagonizar uma montagem de “Dr. Jekill and Mr. Hide”, de Robert L. Stevenson, adaptada por Domingos de Oliveira para a TV Globo. Ééééé, também montávamos peças para conseguir mais alguma mixaria em caixa.

4 comentários:

  1. achei muito legal você citar o Bernardo.

    é mais um pra, comigo e contigo, levarmos esses escritos pra televisão.

    a contagem dos palavrões é ótima, ainda que justamente isso precisássemos resolver melhor, hehe.

    ResponderExcluir
  2. eu estou com preguiça de terminar este, décio. estou mais estimulado em criar um outro blog,, mas também faço nada para isso. cara, você acha mesmo isso viável telesivamente falando o cenário, vr, e a época não são empecilhos?

    ResponderExcluir
  3. isso é para ser barganhado com a produção. o principal é o texto, o roteiro dramatizado, sem o qual nada mais existe.

    e material pra esse início, eu tenho certeza de que nós temos.

    ResponderExcluir
  4. Poorraa!!! Sensacional!! E minha mãe dizendo que eu aprontava, rapaz! O Tio Marcos tem que ler isso. Aliás, ouso dizer que ele deveria mesmo era ter enverado para o lado artístico, fosse um webdesign, fosse um cartunista! Ele é criativo pra cacete!! Muito bom, Eros!

    ResponderExcluir