Eu, Enéas, Aurélio e Gugu compráramos ingressos para todas as noites de carnaval no Aquibadã, na praia do Anil (Isso! Me lembrei do nome da praia mais popular e poluída de Angra!). De quebra, ganhamos entradas para as duas matinês.
Minha performance em carnavais era indigna de nota. Com a manemolência de um norueguês e a desinibição de um coroinha de igrejinha do interior, era um zero à esquerda com meninas (fossem lindas ou canhões, minha incompetência era bem democrática) nos salões carnavalescos - e também fora deles. Eu era tímido demais. Achava uma falsidade quatro dias de devassidão para um sujeito bocó os outros 361. Só porque era carnaval? E cerveja e toda a sorte de bebidas alcoólicas estavam liberadas? Isso para ficar no teor etílico e lícito da “embriaguez”...
Cada vez que a bandinha entoava “Bandeira branca, amor/ Não posso mais/ Pela saudade/ Que me invade/ Eu peço paz” – mote para o cara lascar um beijão na boca da menina que pulou a música anterior com ele, independentemente de se conhecerem há 20 segundos – eu só queria estar de pijamas, dormindo no meu quarto.
Mas “este carnaval não vai ser igual àqueleS que passarAM” apropriava-me eu, confiante como nunca, da letra de outra marchinha conhecida.
Incrível o que uma namorada, ainda que de verão, não faz na alma espinhenta de um adolescente...
Eu e Eliane nunca passávamos de uns amassos junto ao muro de uma das muitas igrejas de Angra, ou de beijinhos mais comportados numa lanchonete onde sempre pedíamos sorvete – tinha um de maracujá que era um sonho.
Mas aquele namorico me encheu de moral. Comecei até – sortilégio dos sortilégios, equívoco dos equívocos – a me achar bonito. Bom papo. Irresistível mesmo.
Faltavam sete dias para o carnaval e depois de duas semanas direto no Pontal, voltamos ao Voltaço, no Fiat 147 do Al. Mais para pegar grana para passar o carnaval do que por qualquer outro motivo. Não, minto. Aurélio e Gugu foram
buscar fantasias que d. Geralda, mãe de Al, fizera exclusivamente para a ocasião.Tinha perdido noite de sono para confeccionar tudo a tempo.
-- Anda, Gugu. Vem aqui pra casa. As fantasias estão prontas. Vamos experimentar que a Geraldinha ainda pode dar um jeito, caso não estejam boas – Aurélio convocara Gugu por telefone, no dia seguinte à nossa chegada em Volta.
Em dois tempos, Carlos Alberto Barenco Pinto, o Gugu, estava na sala do apartamento do Aurélio. Eram vizinhos no Aterrado, bairro onde morava boa parte dos nossos companheiros de Macedo Soares.
Sem muito alarde, d. Geralda tirou, cuidadosamente, as fantasias de uma sacola plástica.
-- A sua, Aurélio...E a sua, Gugu... – anunciava, orgulhosa, Geraldinha, assim chamada pelo filho pela pouca estatura. -- Não tinha outro pano. Este era o mais fresco que achei.
Quando Aurélio viu a sua e põe-se de cuecas – afinal, em casa só estavam sua mãe e um amigo – exclamou, enquanto vestia a fantasia:
-- Pô, Geraldinha, muito maneiro!!! Cê caprichou!!
D. Geralda caprichara mesmo. Ficou muito legal. Não sei se para um homenzarrão como o Aurélio.
Tratava-se de um macaquinho – um macacão sem calças compridas – num tecido que lembrava cetim, todo vermelho, cujo peito era aberto para melhor ventilação. Do short, a roupa subia pelas costas e terminava num capuz, de onde saíam dois chifres escuros. Ah, nos fundilhos também foi costurado um tecido preto, que graças a um enchimento, tinha consistência mais dura, como os chifres. Era uma versão menos calorenta do capeta.
Al era um júbilo só, feliz da vida com sua fantasia de Coisa-ruim rubro-negro (Pleonasmo? Todo rubro-negro é Coisa-ruim?), abraçava d. Geralda, beijava-a e a tirava do chão aos berros de “Geraldinha é campeã”.
D. Geralda tentava manter a sobriedade diante da felicidade do filho que tanto amava e mimava.
-- Me põe no chão, Luís Aurélio. Pára com isso – dizia, no fundo, radiante com os rodopios nos braços de Al.
Gugu mal disfarçou a decepção. O Aurélio vestido de capeta, peito e pança à mostra, com aquele capuz com chifrinhos e aquele rabo preto no meio da bunda era a própria visão do inferno!!
-- Maravilha, d. Geralda. Puxa, brigadão mesmo. Ficou muito bacana -- disse Gugu, já se encaminhando para a porta de casa
do apartamento de Aurélio.
¬¬-- Ei, ei, Espera aí, cara. Cê num vai experimentar não? Este seu cabeção pode num caber no capuz e aí? Aproveita que a Geraldinha pode arrumar isso... – disse Aurélio, já ressabiado com o pouco entusiasmo demonstrado pelo companheiro.
Imediatamente, Gugu sacou sua fantasia do saco plástico e vestiu só o capuz enchifrado, e mostrou que sua cabeçora cabia no capuz de sua fantasia.
-- Viu, Aurélio? Perfeito, perfeito – afirmou Gugu, retirando o capuz da cabeça e socando a fantasia de volta à sacola. -- O resto nem precisa experimentar... A senhora num fez com as minhas medidas? Então, num tem erro.
Até mais, Aurélio. Brigado, d. Geralda.
A mãe do Aurélio mal teve a chance de balbuciar um “mas” e contestar a saída intempestuosa de Gugu.
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