sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Lagartixa em Ipanema 2.4

Nossa faxineira, mãe do Gilmar, era algo. Negra retinta, devia beirar os 60 anos de idade. Sabe a mãe da “Fran”, “da Família Dinossauro”? Sogra do “Dino” “querida-cheguei”? Pois era a Anita, inclusive nos óculos, no quebradiço da pele – esticada e gasta pelo tempo, só pelo tempo -- e na estatura. Era magra que só e tinha uma vitalidade incomum.

Anita era extremamente batalhadora, gente boníssima, tava sempre de alto astral apesar dos perrengues que passava. Muitos dos dissabores tinham uma única fonte: Gilmar ou Lagartixa, como era conhecido nas internas – internas do nosso apartamento. O cara mais parecia uma iguana, um ser meio ancestral desses que habitam Galapágos. A ilha, no Pacífico equatoriano, foi crucial para Charles Darwin desenvolver sua teoria do Evolucionismo.


Anita era faxineira de Touro e Cozido. Touro era um cara de Barra Mansa, que se tornara o melhor amigo de Cozido ou Faria, companheiro nosso de velhos tempos – estudei com Luís Henrique Faria Marques, na 3ª série primária do Nossa Senhora de Fátima. Era uma escola de madeira que ficava na rua 40 quase esquina com 41, vizinha ao Poeirinha, como era chamado um antigo cinema da Vila. Ambos não emplacaram os anos 80. Foram destruídos. Hoje, um shopping ocupa o espaço onde outrora existia o cineminha e a escola.
Além de gente boa, Anita era bom papo, antenada. E aos 60 anos tinha fôlego de causar inveja em muito garotão: fumava maconha como gente grande e não dava qualquer bandeira, mesmo depois de consumir uma tora.

Mas diferentemente do pessoal de Barra Mansa que morava com o Touro, o próprio e o Faria, que dividia o apartamento da família com o irmão mais velho, nós não a entronizamos como pitonisa. Menos que pelo seu potencial de xamã – eram vastas e invejáveis suas sabedoria popular e tranquilidade diante das adversidades da vida – mais pela intensa rotatividade da nossa república. Nos três anos em que morei lá, nada menos do que 12 pessoas se revezaram no apartamento de dois quartos na Farme de Amoedo, quase esquina com Alberto de Campos. Assim era impossível canonizar alguém, mas beatificada por nós, Anita era.

Nunca dormiu lá em casa, o quartinho da área não tinha espaço para uma cama. Havia um móvel que ocupava metade do quarto e um monte de tralhas que deixávamos lá.

Pois naquela noite de sábado em que só eu e Dudu estávamos no apartamento, quem dormiria no quartinho, largado no chão, em cima de uns edredons foi o Lagartixa.

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