sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A Glória de Edisom (acolhendo, tardiamente, perfeita sugestão do André)

tá imensa, eu sei.Ficaria muito maior se eu contasse mais alguns episódios imprescíndíveis a saga de Edisom na Glória.





Era 1980, 1981. Migrantes em busca de faculdades, nós, jovens de Volta Redonda deixávamos a cidade em debandada. Exagero falar em debandada. Na verdade, só os filhos da elite – uma classe média que podia pagar cursinhos pré-vestibular e bancar a permanência dos herdeiros em outra cidade – trocavam de ares.

Da turma que fez o 3º ano junto com o pré-vestibular no Macedo Soares, a grande maioria tinha ido para o Rio. Acho que, de conhecidos, só Artur e Ovinho foram para Petrópolis; eu e André, para Viçosa; Gugu para Valença; e Valéria e Guilherme para a Rural, em Seropédica. Aurélio e Jalb não passaram no vestibular integrado e ficaram por Volta Redonda mesmo, estudando na faculdade de engenharia civil da cidade.


Aqui no Rio surgiram repúblicas formadas por quatro ou cinco rapazes, em média. Num dois quartos sem qualquer sofisticação na rua Benjamin Constant, na Glória, Chico e mais quatro sujeitos formaram uma das mais ecléticas que surgiram no período.

O apartamento só virou república no segundo ano de faculdade do Chico. Primeiro, ele e o Nelsinho, outro voltaredondense, resolveram dividir um apartamento na Cacuia. Isso mesmo, Cacuia. Um bairro na Ilha do Governador, onde ficava o campus do Fundão, da UFRJ. Os dois, espertos, resolveram morar perto da faculdade de Matemática. Na primeira semana, chegaram todos os dias atrasados na aula; simplesmente não conseguiam acertar o ônibus. Detestaram a vizinhança, cansaram de se perder na Ilha. Enfim, descobriram que era uma senhora roubada morar na Cacuia.

Ainda que muito mais longe do Fundão do que a Cacuia, a Glória era um caminho mais rápido para a dupla rumo ao imenso campus da U.F.R.J.

O apartamento na Benjamin Constant já tinha um habitante: João Avelino, primo português de Chico que viera de além-mar tentar a sorte no Brasil. Os três rapidamente criaram uma comissão para aprovar eventuais candidatos a companheiros de aluguel. Eles queriam mais dois para dividir despesas. Assim, dois ficariam no quarto da frente, dois no quarto dos fundos e o Chico ficaria no quartinho de empregada.

Os três conversariam com os interessados. E para evitar futuros dissabores, combinaram que precisaria de uma tríplice aprovação. O primeiro candidato a ser sabatinado pelo trio foi Luís Fernando. Mais velho, já havia se formado em engenharia e era um gênio em computação. Trabalhava no campus da UFRJ, no Fundão. O papo com Chico, Nelsinho e João foi legal. Luís Fernando, que não esbanjava simpatia, mostrou-se sério e objetivo.

-- E aí, gostaram do cara? Eu gostei. Voto a favor – perguntou e respondeu João, tão logo Luís despedira-se dos três, deixando o apartamento.

-- O cara não é simpático, mas parece ser gente boa. Também voto a favor...E você, Nelson? – reforçou Chico.

-- Num sei... – ponderou Nelsinho. – Ele é muito feio.

O argumento para a dúvida fora tão estúpido que só ficou restando uma vaga, imediatamente preenchida por Edisom – também conhecido por Elvis, pela semelhança física com The Pelvis. Filho de um médico ilustre em Volta Redonda, de quem herdara o Júnior, morava no mesmo bairro que do dono do apartamento. Fora a própria mãe que falou com Seu Zé Alfredo, pai de Chico, pedindo pelo filho, que tinha que sair do apartamento que ocupava em Ipanema. Assim, resumira-se a uma única entrevista a atuação da comissão-de-aprovação-de-candidatos-a-uma-vaga-na-apto-301-da-Benjamin-Constant-149.

Edisom era um velho conhecido de Chico e Nelson. Fora colega de classe da dupla nos três últimos anos de Macedo. Não estava entre os sujeitos mais populares do Macedo. CDF, passara para física no Fundão.

Apesar de estudioso pra caramba, fazia musculação em casa – era fortão pacas – e vivia bronzeado, fruto de muito sol na casa de praia que a família tinha em Ubatuba, São Paulo. A casa onde morava, em Volta Redonda, era uma mansão. Casarão que não trazia boas recordações para Chico, que não se cansava de lembrar-se de uma sacanagem de Edisom. Chico tinha acabado de se transferir para o Macedo e ainda sem conhecer ninguém, visitara o vizinho, aluno do colégio desde o ginásio (ou melhor, 5ª série do 1º grau). Estavam na cozinha quando Edisom percorreu a área de serviço abrindo a porta que dava acesso ao quintal. Rindo, gritou:
-- Pense rápido, Chico!!
A porta que Júnior abrira mantinha um doberman enorme e feroz no quintal. O animal entrou na casa e cravou os olhos no Chico e partiu, célere, ao alcance dele. Por sorte, o visitante atinara rapidamente para o perigo e pernas curtas em frenética corrida, fugira para o corredor, fechando uma porta atrás de si. Por segundos não teve sua parte mais protuberante (a bunda, óbvio) mastigada pelos dentes alvos do cachorrão do Edisom – Edisom tinha dentes brancos e era mesmo um cachorrão, mas no caso a ameaça era mesmo o doberman.

Pois era este brutamontes egocêntrico e arrogante o quinto morador da república de Volta Redonda na Glória. E de algoz, Júnior passaria a condição de alvo preferencial das sacanagens daquele quarteto.

Logo em sua chegada ao apartamento, ficara claro em que vespeiro Edisom tinha se metido. Ele chegara para as aulas uma semana depois de iniciadas as aulas; aproveitou mais seis dias de sol em Ubatuba, e domingo à noite chegou à república.

-- Fica à vontade, Edisom. Cê vai ficar no quarto com o Luís – anunciava Chico, enquanto o recebia.
Marrento como de hábito, Júnior deu um tapão a título de cumprimento em Chico.
-- E aí, Chico? – entrou, já atirando sua bolsa no chão da sala e dando uma olhada – a primeira – no apartamento. – É esta a televisão? – perguntou, referindo-se a um televisor p&b enquanto instalava-se no acanhado sofá de napa branca.

Chico não respondeu. Tratou de apresentar seu primo, João, que se sentara numa poltrona sem pés ao lado do sofá. Edisom exclamou um oi pouco efusivo. Falou com Nelsinho, também vizinho de Aterrado, bairro de Volta Redonda. O novo morador do apto 301 só não conhecera seu companheiro de quarto, Luís Fernando, que tinha ido ao cinema e só deveria chegar por volta de meia-noite.

Chico retoma o papel de mestre-de-cerimônias e recomeça, mostrando o apartamento ao recém-chegado.

-- Este é o seu quarto, esta é sua cama; Nelson e João dividem o quarto da frente; aqui é o banheiro – apresentara Chico.

E seguiu mostrando o resto do apartamento. De volta à sala, Chico levou Edisom até a janela e mostrou-lhe a rua. Disse que ao lado do apartamento havia “uma casa de tolerância”.
__ Se precisar de maconha ou pó, encontra a um preço justo no segundo andar daquele prédio – afirmou, apontando para a cabeça-de-porco que ficava à esquerda. – Procura o Genésio. Diz que mora aqui.

Júnior esboçou um sorriso, mas Chico sequer deixou-o retorquir o oferecimento.
-- Pois é, Edisom. De vez em quando a gente até cheira um pouco. Tanto para ficar ligadão quanto para relaxar. Aliás, quando você tocou a campainha, a gente tava se preparando para cheirar. Cê está servido? – perguntou Chico, encaminhando-se à mesa de fórmica amarela próxima da janela.

Sentados, já se encontravam Nelson e João, em volta de carreiras de pó branco, canudos feitos de notas de R$ 10 à mão. Chico juntara-se aos dois e começava uma cheiração danada. Edisom mantinha-se sentado no sofá. Os olhos saltados, o novo inquilino mostrava-se assustado com aquela orgia.

Sequer podia imaginar que o pó branco não passava de fermento Flashman e que a encenação fazia parte da jocosa recepção tramada por Chico e Nelson. Ele começou a ficar preocupado quando Nelson, fingindo estar fora de si, enrolou-se nas velhas cortinas e começou a gritar.
-- Vou sair voando pela janela. Vou seguir até o Voltaço – ameaçara ele, levantando-se, agitado, da mesa.

Edisom, perplexo com seus novos colegas, aproximou-se, num pulo, do suicida em potencial.
-- Que isso, Nelson!! Enlouqueceu? -- balbuciara, segurando-o pelo braço.

João também se levantara rumo à janela. Edisom estava apavorado. Olhos esbugalhados, não sabia o que fazer. Merda! Seu primeiro dia na república e suicídios em massa?

Porém, Chico botou tudo a perder, quando teve um acesso de espirros. Sete seguidos. O Nelson e o João pararam com o ímpeto suicida. Até que Chico foi ao banheiro e pingou sorini, aquele remédio para nariz entupido. Numa das ações entorpecentes, Chico aspirava fermento sem querer e agora o “pó” incomodava-o pacas.

Diante da evidência de que Chico não estava drogado, Júnior se pôs a rir.

-- Vocês são uns idiotas mesmo, uns tremendos manés – disse Edisom se encaminhando para o banheiro. – Vou escovar os dentes e dormir. Boa noite, palhaços!

A alergia do Chico adiou o desmonte da empáfia de Elvis, que continuava a se achar muito melhor do que seus colegas de apartamento. Numa manhã, começou a irritar João, que tomava café com um ar e uma cara visivelmente cansados.

-- E aí, fracote? Que animação, hein? – provocou Edisom, sentando-se à mesa, bíceps volumosos que transcendiam à camiseta. Tinha acabado de fazer meia hora de halter em seu quarto.

-- Por que você num faz como eu e passa a malhar todo dia de manhã? É óbvio que nunca chegaria a ter músculos assim, mas pelo menos ficaria mais animado – continuava a encher o saco de Avelino.

Na hora do “ é óbvio nunca chegaria a ter músculos assim”, estava bem perto de João, cotovelo na mesa enquanto exibia seu muque. João, que mascava seu desânimo, cream cracker e margarina, reagiu de maneira silenciosa e eficiente: encheu a faca de margarina e besuntou os músculos que Edisom exibia.


Ele custou dois segundos a acreditar na ousadia e João não deu sorte ao azar: estava semi-pronto para ir para o trabalho e semi-pronto foi. Esbaforido, escafedeu-se porta afora enquanto Edisom até pensou em ir atrás dele mas conteve-se, impedido pelo short de pijama que usava. Sem cueca.


Restou ao fortão vociferar ameaças de aniquilamento a João, interrompidas pelas risadas curtas que alavancavam Chico do sofá, de onde assistira à cena.

Coisa de um mês e pouco mais tarde, fim de tarde, início de noite, Nelson, Chico, João e Luis já tinham chegado em casa. Estavam todos na sala, assistindo televisão e jantando (uma sopa Maggi) uns, lanchando (pão com requeijão e presunto) outros. Eis que Júnior entra em casa, vindo da universidade. Tem o semblante carregado, vai até o sofá, onde calma e severamente desvencilha-se da bolsa – daquelas Sansonites que usa-se com a alça cruzando o ombro e suspira, todo sentido.

Diante da imensa carga de desânimo com que ele adentrara a sala, João, solícito, perguntou:
-- O que houve, Edisom?

Os outros três também abandonaram a TV e agora estavam atentos à maldição que caíra sobre o Edisom.

-- Putzs!! Não dá!! Puta sacanagem!! Cês lembram que eu fiquei a semana passada toda estudando para uma prova? Pois é, era matéria pacas, um retrospecto de Cálculo I e Cálculo II, mais tudo que demos até agora em Cálculo III. Você viu, né, Luis? Virei noite estudando...
-- Verdade, verdade – assentiu Chico.

-- Hoje o professor entregou a nota. Me ferrei – admitiu Edisom, olhar desolado fitando o nada.

Como notas baixíssimas na faculdade de Matemática eram comuns para Chicão, ele quase sorriu de júbilo. Ameaçou um “bem-vindo ao clube”, mas pensou melhor, concluiu que o fracasso não teria entorpecido totalmente aquela besta-fera e evitou uns catirapapos com uma fingida solidariedade.

-- Não esquenta não, cara. O Fundão é foda, cê sabe disso.Também acabei de receber as primeiras notas deste semestre. Minha maior nota foi 5,5. Fiasco geral – afirmou Chico, falso toda vida, mas que diante da inércia do colega começara a ficar realmente preocupado.

João, Nelson e Luís Fernando também cercaram Edisom, prestando sinceras demonstrações de preocupação com o abatimento dele.

O sujeito agradeceu as manifestações de carinho dos companheiros:

-- É, mas é isso aí! Vida que segue – afirmou Edisom, subitamente recuperado, se encaminhando ao seu quarto. – Vou tomar um banho, sair, tomar umas cervejas e dar uma relaxada... Num adianta ficar reclamando agora.

Estava quase na porta de seu quarto quando alguém, a título de curiosidade, perguntou:
-- E quanto você tirou na prova?

O retorno foi seco, seguido de barulho de porta fechando:

-- Sete e meio.

A resposta emudeceu os quatro, que imediatamente se entreolharam.

“Caralho!!“ – pensavam em uníssono. – “A gente se solidarizando com o cara, crente que ele tinha se ferrado e, na verdade, o filha da puta reclama de um 7,5, um notão! É muito besta!”

Não trocaram palavra. Apenas cochicharam durante breves segundos. Edisom tomou banho, se perfumou e assobiando uma canção, despediu-se.

No que ele bateu a porta da rua, Chico correu para a pia da cozinha, onde, num canto, repousava uma panela de pressão na qual fizeram um feijão incrementado há pelo menos quatro dias. Encheu a panela de água e com a ajuda de João levou-a até a janela da frente do apartamento. Nelsinho e Luiz já esperavam os dois aos brados de “Rápido!”, “Rápido!”
Poucos segundos mais tarde saiu Edisom, todo pimpão. Só ouviu alguém o chamando do apartamento, parou e olhou para cima.

Choft!!! A água suja da panela caiu em cheio, encharcando completamente o camarada. Pingando e puto dentro da roupa molhada, Júnior subiu voando de volta para o apartamento, pelas escadas mesmo.

Entrou esbaforido na sala. Barulho algum. Os quatro estavam trancados no banheiro, morrendo de rir. Edisom esmurrava a porta, transtornado.

-- Abram esta merda, seus filhos da puta. Têm coragem para me molhar mas não para me encarar, né, seus covardes. Vou enfiar muita porrada em vocês. Vou matar um! – vociferava.

-- Ai, que meda! – irritava-o ainda mais Chico, protegido pela porta do banheiro. – Vai chorar seus 7,5 com suas amiguinhas da Augusto Severo (conhecida avenida de baixo meretrício na Glória). Tu é um babaca, Juninho!!

Edisom ainda tentou fazer com que eles saíssem do banheiro. Secou-se, trocou de roupa, foi até a porta da sala, abriu-a e bateu-a. Em seguida, pé anti pé foi até a porta do banheiro.

-- Caralho, como você é previsível. Fingiu que saiu, bateu a porta da rua e agora taí, esperando a gente sair. Pó esperar sentado. “Daqui não saio, daqui ninguém me tira” – cantarolou, irônico, Chico.

Edisom bufou. E foi-se embora, ávido que estava para dar uma escapada daquele ambiente pouco aconchegante onde se metia alguns dias antes de alguma prova. Queria relaxar, aproveitar aquela noite enluarada e de temperatura agradável.

Era sempre assim: antes de uma bateria de provas, Júnior só saia de casa para ir às aulas. Fora isso, trancava-se em casa e passava tardes e noites estudando. Feita a prova, saía e se destrambelhava. Houve vez em que só chegou em casa no dia seguinte, completamente bêbado. Geralmente, as noites de esbórnia eram de sexta para sábado.

Fruto de maior intimidade este episódio ilustra a quantas andava a relação entre os republicanos. Depois de uma atribulada prova, Edisom preparava-se para uma noite de “descarrego”. Passara uma semana enfurnado em seu quarto estudando – faltou às aulas a semana toda para dedicar-se integralmente. No fim de tarde, lá estava ele febril para desopilar o cérebro, oxigenar a alma.

-- Quer ir não, Chico? Vou só tomar umas cervejas...Voltamos logo...Vamos, João?

As negativas foram incisivas e pontuadas por gozações. Tanto que Edisom não insistiu e às 8h em ponto, perfumado que só, desceu a Benjamin Constant, não sem antes cruzar rapidamente a portaria do prédio, para onde debruçava-se pela janela do apartamento – seguro morreu de velho.
Chico, João e Luiz – Nelsinho já não morava na Glória – só estavam esperando Júnior sair para começar a operação “desmanche”. Desmanche de cama.

Com precisão e cuidado, os três desmontaram o estrado da cama do Edisom. Para sustentar o colchão, colocaram várias caixas de papelão vazias. As caixas tinham sido coletadas pelos três ao longo da semana e armazenadas no banheiro de empregada, ao lado do quarto do Chico.

Ao final do trabalho, a impressão era de que a cama de Edisom sequer fora tocada. A colcha estava arrumada, não havia nada amarfanhado.

Se bem que do jeito que Edisom costumava chegar dessas noitadas não repararia num rinoceronte no quarto, quanto mais numa dobra na colcha.

O perfeccionismo na confecção da cama imperou até às 4 da manhã quando, bêbado como um gambá, Edisom meteu a chave na porta do apartamento e entrou na sala. Acendeu a luz da cozinha, fez o esporro habitual de copo sobre a pia, e garrafa d’água retirada da porta da geladeira. Chico acordou.

Júnior levou o copo d’água para o quarto, onde evitou fazer barulho até descobrir que Luís não dormira em casa. Tirou os sapatos, a camisa, a calça e se jogou, de cueca, sobre a cama.

As caixas de papelão não resistem ao peso e o colchão desabou com Edisom em cima.
-- Seus filas da puta. Viados, escrotos... – xingava Edisom, que com a voz pastosa ainda berrou mais uns cinco palavrões até cessar, derrubado pelo sono e as cervejas.

Chico, sem sequer se levantar da cama, ria de soluçar. O mesmo fazia João, no quarto da frente.

Edisom diferia pouco de um aborígene. Era capaz dos atos mais imbecis para provar algo para os amigos – na maioria das vezes só conseguia provar o quanto era troglodita. Como quando apostou com o restante da república que conseguia comer, de uma vez só, uma dúzia de ovos.

-- Consegue nada. Isso é só farol. Você fala muito... Cê lembra quando garantiu que fazia cem flexões e quando chegou a 91 bufou e quase apagou? – instigava Chico, lembrando outra aposta ridícula feita por Elvis.

-- Nanico, te garanto que como uma dúzia de ovos. Cozidos, é claro. Aposto o que você quiser – respondeu, ofendido em seus brios.

Foi quando Chico e João fizeram uma proposta para lá de indecente. Inacreditável mesmo.

-- Então tá. Se você conseguir comer todos os doze ovos, a gente te paga outra dúzia. Do contrário, não pagamos nada, ok? – propôs Chico, com total aprovação de João, que emendou: -- Mas se deixar meio ovo que seja, babau! A gente num compra um ovinho sequer.

Uma proposta dessa é motivo, para no mínimo, xingar a mãe de sapo e o pai de perereca. No entanto, em nome da augusta palhaçada, Edisom aceitou:

-- Tá legal. Mas vocês compram a dúzia de ovos amanhã, combinado?

Chico e João não esperavam que ele topasse. A aposta foi feita de chofre, só para implicar. Difícil para Chico agora era conter o riso.

-- Fechado! Você come uma dúzia de ovos que a gente te paga uma dúzia de ovos – João só pronunciou a frase para que reverberasse o absurdo da aposta.

Edisom encheu uma panela de água e botou-a sobre uma boca do fogão. Depois foi até à geladeira. Pegou a caixa de ovos e cuidadosamente botou uma dúzia de ovos para cozinhar. João e Chico, ainda incrédulos, acompanhavam a movimentação excitada de Júnior.

Cozidos os ovos, ele os deixou esfriar e foi levado por Chico e João para a sala, onde a “degustação” podia ser assistida de camarote, ou melhor, no sofá velho.

Depois de comer oito ovos em pouco mais de dez minutos, Edisom deu sinal de que a missão não era tão simples quanto ele próprio crera.
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-- Deixa eu beber um pouquinho de coca. Tô ficando entalado – disse, encaminhando-se para a cozinha.

--Nada disso – gritou Chico. – Tem que comer os ovos a seco. Do contrário, é mole.

João apoiou o primo:

-- Se não for a seco, num vamos pagar nada.

Rindo aos solavancos, Chico cochichou com João:

-- Eu quero ver sair gema pelos tímpanos dele. Acho que basta ele comer mais uns dois ovos.

--É, ele vai explodir –- juntou João.
Edisom deu meia volta, sentou-se à mesa diante da panela com os quatro ovos intactos e do prato com as cascas dos outros oito. Soltou um alto e fétido arroto.

-- Vamos, vamos – frisou Chico,batendo palmas, encurralando Júnior, o que normalmente era impensável – A aposta era para comer agora. Comer assim, até eu.

Edisom ameaçou dar uns cacetes naquele nanico insolente, mas voltou-se para sua atividade-fim momentânea e comeu os quatro ovos restantes. A seco.

-- Ganhei!! Consegui!!! – ergueu-se da mesa.

Mas num teve tempo sequer de comemorar. Mal se levantou, foi uma corrida desabalada para o banheiro. Chico e João foram atrás.

Ajoelhado, quase abraçado ao vaso sanitário, Edisom vomitou toda a dúzia de ovos que acabara de ingerir. Chico gargalhava, até chorou de tanto rir:

-- Cara, você é mesmo um mané!! Vou descer ainda hoje para comprar sua dúzia de ovos, campeão!

-- Caralho, és um estúpido mesmo – completou João, saindo do banheiro junto com Chico.
Edisom continuou algum tempo ao lado do vaso. Durante à noite mal-dormida, com uma tremenda dor de cabeça causada pelo fígado, levantou-se umas três ou quatro vezes. E teve que agüentar durante muito tempo Chico e João repetindo a história.



Isso tem quase 30 anos. Hoje Edisom é professor de física numa universidade mineira. Um sisudo – me engana que eu gosto – mestre. Casado, pai de uma menina de 15 anos.
Calvo, nem de longe lembra o topetudo Elvis. A marra e a arrogância se diluíram ao longo de anos de análise, de confinamento em Londres, onde fez mestrado e doutorado, e -- por que não? -- na convivência no apartamento da Glória.

4 comentários:

  1. O Eros também morou na Glória (a menos que ali fosse Catete). A rede na varanda (era varanda?) era um must. A comida da Claudia (era a Claudia, que eu não vou me
    comprometer) era deliciosa. E o papo ao longo da noite (papo, must, tá meio datado, né, não) muito bom. De qualquer maneira, se Elvis não morreu, esse passado também não.

    Mas que ficou longo, ficou.

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  2. Vai atualizar não, cara?

    (ainda que o verbo "atualizar" não se aplique muito a este blog...)

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  3. é aquele apartamento mesmo, décio. eu ainda morei com o edisom e o joão lá. quatro meses depois de terminada a república -- o edisom se casou e fiquei ssó --claudia foi moraar comigo lá. tempos risonhos...

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  4. jason, take it easy, man. minha proposta era destualizar o blog umaavez por semana. estou conseguindo.

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